A discussão corria forte e solta naquela tarde de sábado, no bar da esquina… Era um grupo de amigos, mas o tom das vozes e o palavreado pareciam indicar que fosse de gente que não se olhava muito bem nos olhos… Eu sabia que aquela discussão não iria afetar a amizade que unia aqueles homens há anos, mas, na véspera de uma decisão de campeonato, os ânimos estavam exaltados…

Nem todos os amigos defendiam o mesmo time, e aí estava o problema… A discussão não poupava ninguém: o técnico, o juiz (que ainda iria apitar o jogo no dia seguinte!…) e os próprios jogadores eram elogiados por uns e criticados por outros… Na realidade, a discussão fazia parte do aquecimento para a torcida do dia seguinte. E foi então que, de repente, uma voz mais forte se fez ouvir: “Mas, afinal de contas, de que lado você está?”… E, diante desta pergunta, fez-se um silêncio no grupo…

Não sei a quem a interpelação era dirigida, nem qual a resposta que foi dada, porque continuei minha caminhada. Mas a pergunta veio comigo: “Mas, afinal, de que lado você está?”…

A pergunta vai longe. De fato, a diversidade faz parte de nossa natureza humana. Cada um, cada uma de nós é diferente dos demais, pois é uma pessoa única. Não há duas pessoas idênticas no mundo, nem mesmo os gêmeos que chamamos de “idênticos”… Cada pessoa tem as suas características próprias, suas capacidades diferentes, suas opiniões pessoais… Ninguém é obrigado a ser “igual” a um outro… Essa diversidade cria a beleza – mas também pode ser a origem de dificuldades – dos relacionamentos. Daí a “temperatura alta” da discussão naquela mesa de bar…

É curioso como nós, seres humanos, temos a capacidade de nos apaixonar por um time de futebol a ponto de brigar com quem defende o time contra o qual o “nosso” vai jogar… Mas não é só o futebol que polariza as discussões. Quem já assistiu à apuração dos pontos dados pelos jurados para a classificação das Escolas de Samba depois dos desfiles de carnaval sabe que este também é um local de grandes e apaixonadas brigas… E que dizer das discussões políticas?…

A diversidade de opiniões é sinal de uma sociedade saudável, onde a individualidade de cada um é respeitada e valorizada. Mas há uma exigência fundamental que permeia a teia das individualidades. Essa exigência tem um nome: coerência. Foi por isso que a pergunta, lançada naquela discussão, permaneceu comigo: “Mas, afinal de contas, de que lado você está?”

Podemos tranquilamente nos relacionar com pessoas que pensam de maneira diferente de nós, mas o relacionamento com uma pessoa que não é coerente torna-se difícil… Nunca se sabe de que lado ela está… “Coerência” é definida no dicionário como “harmonia entre ideias”. Uma pessoa coerente é aquela em que o pensamento, a palavra e as ações estão harmonicamente ligadas entre si; em que as ações derivam, em toda lógica, do pensamento desenvolvido e da palavra expressa. Coerência, então, supõe uma certa inteireza do ser. Uma pessoa coerente é uma pessoa previsível, com quem se pode contar. A coerência é um dos sinais de amadurecimento pessoal, de confiabilidade. Dizer de uma pessoa que ela é coerente é um bonito elogio.

Temos um grande exemplo de coerência de vida em Santa Maria Eugênia, nossa mestra de vida. Ela não borboleteou entre posturas diferentes, ou até mesmo opostas. Sua vida sempre apontou para a mesma direção. Quem conhece a vida de Santa Maria Eugênia sabe que ela teve que lutar muito para se manter nessa direção. Suas ideias, sua visão sobre como seria a congregação que estava fundando, encontraram muita oposição até mesmo por parte da Igreja de seu tempo, pois ela via mais longe, e não era compreendida. Mas ela perseverou, coerente com aquilo que percebia ser a vontade de Deus sobre sua vida e sua obra.

Santa Maria Eugênia era uma mulher decidida, coerente e corajosa. Sua fé lhe dava a certeza de que suas decisões eram tomadas do lado de Deus, do lado de Jesus e de seu Evangelho. E isso lhe dava forças para seguir em frente.

Ela dizia: “Meu olhar está fixo em Jesus Cristo e na extensão de seu Reino”. Esse olhar fixo no grande objetivo de sua vida fazia com que Santa Maria Eugênia não vacilasse, ainda que tivesse que enfrentar mil dificuldades para realizar seu projeto. Ela tinha escolhido o seu “lado”: Jesus Cristo e o Reino que ele veio anunciar e inaugurar. E nada a fazia mudar a direção de seus passos…

Quando quero atingir um objetivo, procuro ter esse objetivo sempre diante dos olhos, para permanecer voltada na sua direção, e assim ir me aproximando cada vez mais daquilo que quero atingir. Era isso o que Santa Maria Eugênia queria dizer com essa sua frase. Manter o olhar fixo em Jesus e no seu Reino ajudava-a a vivenciar cada vez mais profundamente os valores do Reino. E isso transformava sua vida num verdadeiro seguimento de Jesus.

Esta é uma das grandes lições que Santa Maria Eugênia nos dá: sermos coerentes. Coerentes om nossa fé, com os valores que professamos, com as opções que o Evangelho nos pede… Em nosso mundo de hoje, nem sempre é fácil viver esta coerência…

O Evangelho nos mostra com clareza o que Jesus pede de seus seguidores. O Reino de Deus, que Jesus veio anunciar, é um Reino de paz, de justiça, de fraternidade e de respeito a cada um de nossos irmãos e irmãs. Ter os olhos fixos em Jesus e em seu Reino, como fazia Santa Maria Eugênia, leva-nos a ser verdadeiros, honestos, confiáveis. Torna-nos capazes de colocar nossas forças e capacidades a serviço da construção de um mundo melhor, fazendo com que esses valores sejam vividos em nossa família e em nossa comunidade. Torna-nos construtores e construtoras de uma sociedade inclusiva e acolhedora de todos. Em outras palavras, é um apelo a viver a vocação fundamental de todos os que fomos batizados: tornar-nos cada vez mais profundamente seguidores de Jesus, buscando concretizar em nossa vida as propostas que ele nos lança.

O dia 10 de março, como todos sabemos, é a festa de Santa Maria Eugênia. Não há melhor maneira de afirmar nosso amor para com ela do que inspirar-nos nela e seguir o exemplo que nos deixou. Que tal tentarmos viver essa palavra que ela nos deixou?…

Busquemos, então, cada dia, colocar diante dos olhos Jesus e seu Reino, e sejamos coerentes: é do lado dele que devemos estar…

Irmã Regina Maria Cavalcanti