DE PERTO OU DE LONGE?
10/Julho 2023

Minha avó tinha dois pares de óculos. Um era para ver de perto, o outro, para ver de longe… Só que, muitas vezes, ela se atrapalhava e trocava os óculos que deveria usar: punha os de longe para ler, e os de perto para olhar a rua, a partir da janela…. Seguiam-se sempre reclamações de que os óculos não serviam para nada, até que ela se desse conta de que estava usando o par errado…

Todos nós temos dois pares de óculos, ou melhor, até mais de dois… Um para ver de perto, outro para ver de longe; um para ver por dentro, outro para ver por fora; um para ver tudo com uma claridade bonita, outro para ver tudo numa escuridão triste… Só que ninguém vê esses óculos, porque eles não estão no nosso rosto, sentados sobre o nosso nariz… Esses “óculos” estão dentro de nós, dentro de nossos olhos, dentro de nossa cabeça, dentro de nosso coração… E não podem ser trocados com facilidade, como fazia minha avó com os óculos dela…

De fato, há pessoas que enxergam tudo como sendo muito escuro, muito negativo: A vida é péssima… Nada funciona…Tudo está errado… Ninguém me entende… Eu nunca consigo nada… O mundo vai de mal a pior… Não adianta se esforçar porque nunca se consegue nada…

Outros há que veem tudo muito colorido: A vida vai melhorar… Dá-se um jeito para tudo… Olha só quanta coisa boa está acontecendo… Eu tenho um milhão de amigos… Deus ajuda a quem cedo madruga… Que boa notícia!… Tente, tente, que você vai chegar lá…

Há pessoas, sim, que são muito pessimistas e veem tudo muito sombrio. E há, na outra ponta, os otimistas, para quem tudo é escandalosamente “cor-de-rosa”… Há também os realistas, os idealistas os detalhistas, os incapazes de enxergar além de seu próprio nariz… De fato, há uma infinidade de “óculos internos” que as pessoas usam. Você já parou para pensar quais são os seus? Como é que você enxerga a vida? Como é que você vê o mundo? Como é que você vê e avalia as pessoas? Como é que você se vê?…

A resposta a esta última pergunta faz nascer outras dentro de nós: Será que a maneira como eu me vejo corresponde à maneira como Deus me vê? Mas, de fato, como será que Deus me vê? Como é que podemos saber como Deus vê as pessoas? 

Pergunta difícil essa… Mas a Bíblia pode nos ajudar a encontrar uma resposta. Já no Antigo Testamento temos um dado importante: lá se diz que “o homem vê a aparência, mas Deus vê o coração” (cf. 1Sm 16, 7). Os “óculos” de Deus são para ver “de dentro”… Santo Agostinho diz que Deus nos vê no mais íntimo de nosso interior. Ele conhece os tropeços que damos pela vida afora… Ele sabe quais são as nossas fraquezas, nossas dificuldades, nossa facilidade em descambar para o lado errado… Mas ele conhece também a angústia que sentimos quando nos damos conta de nossas quedas; conhece nosso desejo profundo de viver de acordo com nossa consciência de seguir o caminho do bem, de sermos fiéis à nossa fé. Por isso, esse olhar de Deus, que nos vê a partir de dentro, não deve nos assustar. Pelo contrário, ele deve nos firmar na confiança, pois sabemos que ele nos olha com um amor de Pai. 

Para nos fortalecer ainda mais nessa confiança, olhemos para Jesus. Muitos trechos do Evangelho mostram a maneira como Jesus, que é a própria imagem do Pai, olha as pessoas e age em relação a elas. Basta citar aqui algumas passagens do Evangelho, que vocês poderão depois ler com mais detalhes: Jesus olha a multidão “ e tem compaixão, pois eram como ovelhas sem pastor”(cf. Mt 9, 36); ele olha o jovem “com amor”(Mc 10, 21); ele olha a pecadora “e não a condena”(Jo 8,11); ele olha a multidão que se reuniu para ouví-lo e se preocupa “pois eles não têm o que comer” (Jo, 6, 5); ele olha a mulher siro-fenícia, pagã, “e admira sua fé”(cf. Mt 15,28); ele olha a viúva que deu uma pequena esmola e descobre “a grandeza de seu gesto” (Jo 21, 10-11); ele olha Zaqueu e “vê boa vontade em seu coração” (Lc 19,1-10)… E há muitos outros exemplos. Se fizermos uma leitura seguida dos Evangelhos, vamos encontrar muitos outros olhares de Jesus.

Jesus veio nos mostrar quem é Deus, seu Pai e nosso Pai também. E ele o fez não só por meio de suas palavras, mas também através de suas atitudes – e sua maneira de olhar as pessoas é uma delas. Poderíamos nos perguntar: quais os “óculos” usados por Jesus para ver as pessoas desta maneira? Jesus olhava as pessoas com o mesmo olhar que tem o Pai, e este olhar é de misericórdia, de amor.

E é assim também que ele pede que nos olhemos uns aos outros. Ele quer que usemos os “óculos” da compreensão, que não julga as pessoas por suas atitudes exteriores, mas que busca entender suas motivações profundas. Há outros tipos de “óculos” que ele espera que nós, seus seguidores, usemos: os “óculos” da bem-querença, que procura ver o bem que existe – embora, às vezes, escondido – em cada pessoa; os “óculos” do perdão, usados por quem se dispõe a não guardar rancor; os “óculos” da compaixão, de quem não minimiza o sofrimento dos outros, mas, ao contrário, se sente solidário com eles; os “óculos” da bondade, de quem vê o bem, não somente nas pessoas, mas também nos outros seres vivos… Na realidade, a lista é grande… Mas podemos resumí-la dizendo que Jesus nos pede que usemos sempre os “óculos” do amor. É isto que resume sua mensagem: “Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei”(Jo 13,34).

Santa Maria Eugênia também usava este tipo de óculos… Ela disse uma vez: “Eu me acostumei a ver nas pessoas apenas aquilo que permanecerá na eternidade”… Quando olhamos as pessoas, muitas vezes paramos naquilo que lhes é exterior: vemos suas incoerências, suas fraquezas, seus hábitos ou maneiras que nos irritam, suas tentativas de se mostrarem maiores, melhores ou mais importantes do que realmente são – enfim, seus defeitos. Mas tudo isso são exterioridades que não permanecerão na eternidade. Tudo isto cairá… O que fica é o mais profundo da pessoa, sua sede mais forte, sua maior inclinação para o bem. E quando usamos estes “óculos” para ver as pessoas a partir de dentro, descobrimos que somos irmãs e irmãos, capazes de nos compreender e de nos amar uns aos outros, como Jesus quer que nos amemos.

E atenção! Santa Maria Eugênia diz: “Eu me acostumei…” Estas palavras mostram que sua atitude não foi fruto de uma decisão tomada uma vez por todas, mas sim de tentativas, de exercícios, de esforços sustentados pela graça de Deus. Ninguém chega a esta vivência apenas como resultado de uma resolução. É preciso que desejemos chegar lá e que contemos, confiantemente, com a ajuda do Senhor. É que estes “óculos” de que falamos não se compram nas óticas. Mas eles podem ser adquiridos… Basta pedir ao Senhor a graça de olhar as pessoas e o mundo que nos cerca com um olhar de amor, que é o próprio olhar de Deus.

Irmã Regina Maria Cavalcanti

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