“No meio do caminho tinha uma pedra… Tinha uma pedra no meio do caminho…”
“No meio do caminho tinha uma pedra… Tinha uma pedra no meio do caminho…” Quantos de nós não nos lembramos da famosa poesia de Carlos Drummond de Andrade quando nos deparamos com um problema, uma dificuldade, um impedimento em nosso caminhar rumo a uma meta que estabelecemos… E quantas vezes, por conta desta “pedra”, paramos… desistimos de caminhar… e vemos a meta que queremos alcançar afastar-se de nós cada vez mais, até sumir no horizonte…
Realmente, temos pouca paciência conosco mesmos… Tomar uma resolução, traçar uma meta, supõe desafiarmo-nos a nós mesmos e fazer um esforço. Metas não são fáceis de se alcançar, resoluções não são fáceis de se manter. Supõem força de vontade, firmeza no desejo, capacidade de nos avaliarmos ao longo do caminho – em suma, perseverança.
Uma grande inimiga do progresso a fazer na vida é a nossa “memória seletiva”. Dar passos, crescer, melhorar nossa maneira de ser, aproximarmo-nos daquilo que é o nosso ideal é algo custoso… E a tal “memória seletiva” nos leva a esquecer facilmente que um dia dissemos que iríamos nos esforçar para alcançar tal ou tal meta.
Estamos no mês de junho. No próximo dia 30, estaremos na exata metade deste ano de 2023. Quem se lembra das resoluções que fez no dia 1º de janeiro?. “Vou perder cinco quilos” … “Vou fazer caminhada três vezes por semana” … “Vou ser mais paciente com X” … “Vou me matricular num curso on-line” … “Vou………” Parabéns para quem se lembra, e parabéns mais fortes ainda para quem perseverou até hoje no esforço que esta resolução exige. “Perseverar” é uma palavra-chave para quem quer caminhar na vida em direção a uma meta.
Há dois tipos de resolução que podemos ter tomado no começo deste ano. Um destes tipos é o das resoluções “exteriores”, isto é, das que visam nossa aparência ou nossa saúde física. Outro tipo é o das resoluções “interiores”, isto é, aquelas pelas quais decidimos fazer guerra a um ou outro defeito que reconhecemos em nós mesmos. Ainda que perseverar nas resoluções seja sempre bem exigente, as “exteriores” são mais fáceis de serem mantidas. Talvez porque o fato de mantê-las ou nos esquecermos delas apareça aos olhos de outras pessoas – por exemplo: perdi os quilos extra? ou ganhei mais? – somos mais facilmente alertados sobre elas. Mais difíceis, porém, são aquelas que dizem respeito à luta contra nossos defeitos, as chamadas “interiores”: “Vou ser mais paciente” … “Não vou me queixar tanto da vida, porque isto cansa as pessoas” … “Vou ser mais prestativa” … “Vou frear minha língua e não falar mal dos outros” . E por aí vai…
Santa Maria Eugênia é uma mulher sábia, que conhece bem a natureza humana. Isto aparece muito claramente nos seus escritos, nas recomendações que fazia às Irmãs, nas cartas que escrevia a tantas pessoas. Ela sabe bem que somos todos frágeis, apesar de termos milhões de boas intenções e de querermos, sinceramente, viver como Deus quer que vivamos. Ela sabe que toda pessoa cristã quer viver sua fé, que todos nós queremos ser seguidores e seguidoras de Jesus, vivendo de acordo com o Evangelho. Ela sabe também que toda pessoa humana é fraca por natureza. A tendência ao menor esforço está sempre nos atormentando e fazendo enfraquecer nossas melhores intenções.
Mas ela sabe também que Deus nos ama com amor infinito, que ele é o Pai que nos conhece a fundo, que sabe quais são as nossas fraquezas assim como a sinceridade de nosso desejo de viver de acordo com o que ele espera de nós. E, por ser Amor, ele nos compreende, nos perdoa e nos ajuda por meio de sua graça.
Por isso, ela dizia: “Creio que estamos nesta Terra para trabalhar pela vinda do Reino de Deus em nós e nos outros”. Mas, o que será que ela queria dizer com estas palavras: o Reino de Deus em nós e nos outros”?. Sem medo de estar dizendo uma coisa óbvia, diria que o Reino de Deus é lá onde Deus reina. E Deus reina lá onde há fraternidade, e não ódio nem indiferença; onde há verdade, e não mentira nem enganação; onde há justiça, e não favorecimento indevido de uns sobre outros; onde há paz, e não inimizade; onde há respeito de uns para com outros, e não desprezo nem descaso; onde há inclusão de todos, e não exclusão de muitos. Como seria bonito se Deus realmente reinasse em nossa sociedade.
É muito difícil que o Reino de Deus se concretize numa determinada sociedade, pois ela é composta por um grande número de pessoas, cada uma das quais pode ter metas diferentes para sua vida. Mas é possível, sim, que o Reino de Deus vá se estabelecendo pouco a pouco na vida de uma pessoa. Os santos são pessoas em cujas vidas Deus reina… E todos nós, pelo nosso Batismo, pela nossa fé, pelo nosso desejo de sermos seguidores e seguidoras de Jesus, somos chamados a ser santos. Este é o caminho ao qual todos nós, cristãos, somos chamados.
E haverá uma “pedra” no meio deste caminho? Certamente, sim… Não uma, mas várias. Como fazer, então, para que elas não sejam empecilhos que param nossa caminhada? Para responder a essa pergunta, vamos, mais uma vez, recorrer a Santa Maria Eugênia. Diz ela: “Que cada um, cada uma, se examine e descubra um defeito habitual que tenha, e se proponha que este defeito – não dois, nem três, mas um só – desapareça até o final do ano”. É verdade que ela dizia isto no início de um ano. Agora, estamos no meio de um… O prazo ficou mais curto… Mas o importante é que nos coloquemos a caminho, sem parar por causa das “pedras”.
É desafiadora esta proposta, não é? Mas Maria Eugênia nos dá também a receita para conseguir tirar estas “pedras” do meio de nosso caminho. E a receita é simples: é pedir a ajuda de Deus, lembrando que “aquele que levo dentro de mim sustenta o mundo; ele pode me sustentar no esforço que me parece impossível”. E ela continua: “Aquele que habita no profundo de meu ser é bastante forte para me levar a atravessar os obstáculos”.
A receita, portanto, é ter confiança e não desistir do projeto de abrir espaço para o Reino de Deus em nossa própria vida. Este é o nosso caminho. Não nos assustemos com as “pedras” que podemos encontrar no meio do caminho. Não estamos sós neste caminho… Jesus está conosco, ele que se apresentou dizendo: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”.
Façamos desse segundo semestre de 2023 o tempo de construção do Reino de Deus em nossa vida. E de nós ele transbordará para a vida “dos outros”. Busquemos os sinais da presença do Reino de Deus no meio do mundo.
Irmã Regina Maria Cavalcanti- RA