“Prefiro a misericórdia ao sacrifício. Porque Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores”.
A liturgia deste domingo nos remete à nossa relação com Deus. Nos faz pensar em como nos relacionamos com Ele, isto é, fazemos uma verdadeira adesão a Deus, sincera e que permeia toda nossa vida? Temos uma vida coerente com a fé que dizemos professar? Ou só nos preocupamos em cumprir os ritos religiosos e participar de cultos mantendo uma religiosidade de aparências?
Na primeira leitura (Os 6,3-6), o profeta Oséias está muito preocupado com o sincretismo religioso reinante em Israel. No plano político havia muita insegurança e violência uma vez que a nação fazia alianças com o Império Romano e as guerras constituíam a rotina da vida da nação. Como decorrência dessa instabilidade política, o povo esperava um deus guerreiro que os protegesse. A influência de povos vizinhos era grande e se expressava, sobretudo na esfera religiosa, onde o culto a outros deuses concorria com a fé em Javé. Ao dizer “Teu amor é como nuvem passageira, como orvalho da manhã que logo evapora”, Oséias aponta a fragilidade da fé do povo de Israel, que, de um lado fazia grandes cultos a Javé mas, por outro, se dedicava a múltiplos deuses cananeus.
A mensagem desta leitura relaciona-se com a qualidade de nossa fé a um Deus que está sempre presente e disponível; tudo vai depender da nossa resposta e adesão ao chamado de Deus, que exige sincera e profunda abertura de nosso coração. Não pode ser algo superficial, mas sim a expressão de nossa vontade mais profunda e que se expressa em nossa vida cotidiana através da vivência do amor fraterno.
O profeta nos mostra ainda que a realização de grandes cultos a Deus, na tentativa de obtermos recompensas e proteção divina não constitui a essência de nossa relação com Deus; demonstra somente uma postura mercantilista perante Deus, baseada num sistema de trocas. Mas Deus não age dessa forma, não aceita barganhas; sua ação é gratuita, oferecendo seu amor e misericórdia a todos, sem exceção.
Na segunda leitura (Rm 4,18-25), Paulo revela preocupação com a cisão da Igreja, uma vez que seus integrantes eram pessoas oriundas tanto do judaísmo como também do paganismo. Assim sendo, apresentavam visões diferentes em relação à questão do pecado e à possibilidade de salvação do ser humano. Enquanto os judeus tinham grande preocupação com o cumprimento da lei os cristãos oriundos do paganismo já haviam se emancipado de muitos preceitos judaicos difundidos entre os romanos. Segundo Paulo, a unidade dentro da Igreja constituía um ponto importante a ser preservado visando a consolidação da comunidade cristã que se originava. Diante de tal cenário Paulo procurou evidenciar a essência do Cristianismo, sobretudo a relação entre o homem e Deus. Este oferece a todos, de forma gratuita, a mesma salvação e de todos faz, em igualdade de circunstâncias, seus filhos. É por Cristo que essa salvação é oferecida aos homens.
O texto nos traz a figura de Abraão, bastante idoso bem como sua esposa Sara; ele não acreditava que pudesse gerar um filho mas diante da promessa afirmativa de Deus, Abraão responde com fé inabalável. Disso resultou a fertilidade do casal e assim nasce Isaac. A figura de Abraão se tornou uma fonte de bençãos para toda sua descendência, constituindo-se num forte modelo de fé e adesão ao chamamento divino.
O importante nessa narrativa é a fé incondicional de Abraão, sua confiança ilimitada na promessa de Deus, mesmo diante da situação limitante que era a idade avançada dele e de Sara para poderem gerar uma criança. Vemos que foi a fé que salvou Abraão e não o cumprimento da lei e seus preceitos. Ele se entregou totalmente à promessa de Deus, acolhendo pela fé o dom gratuito dado a ele; não foi por mérito próprio ou por conquista pessoal que Abraão conseguiu dar curso a uma nova geração. Apenas o cumprimento da lei não salva, uma vez que a salvação é um dom de Deus que nos é dado.
No Evangelho (Mt 9,9-13), temos a figura de Mateus que era cobrador de impostos e considerado pela sociedade local como sendo um publicano, isto é, pessoa impura e não digna. Vale acrescentar que os ladrões, prostitutas e pagãos também integravam o grupo dos publicanos, vistos como pessoas amaldiçoadas por Deus e, portanto, consideradas à margem da Salvação segundo o pensamento vigente na época.
E o que acontece com Mateus? Jesus o convida para segui-Lo e fazer parte do grupo de discípulos, fato esse que causa revolta na comunidade local, sobretudo nos fariseus, que se consideravam superiores e dotados de irrepreensível santidade pelo fato de cumprirem todos os preceitos ditados pela Lei. E para completar, Jesus senta-se à mesa junto com Mateus e outros pecadores o que pareceu uma grande provocação aos olhos dos senhores da lei. Interessante notar que “sentar-se à mesa com alguém” significava intimidade e profunda comunhão espiritual, daí a importância desse fato no Evangelho de hoje.
A passagem nos mostra que Jesus se abre a todos não fazendo distinção entre as pessoas: todos são convidados a integrarem o grupo de seus seguidores em busca da salvação. Jesus não veio premiar ninguém e sim indicar o caminho do Reino do Deus. De nossa parte, resta aderir à proposta de Jesus como fez Mateus.
A partir da liturgia deste domingo podemos refletir sobre como nos colocamos diante de Deus através de nossa fé. Para nos entregarmos a Deus com total confiança precisamos abrir nossos corações, silenciar nossa mente e ouvir o que Deus nos fala; esse exercício de diálogo constante com Deus é o meio pelo qual desenvolvemos nosso autoconhecimento e estreitamos nossa relação com Deus; como consequência alimentamos nossa fé, o que nos permite viver com esperança e coragem diante de tantos desafios que a vida nos coloca. Para tanto, precisamos nos espelhar nas figuras de Abraão e Mateus que prontamente responderam ao chamado de Deus.
Sandra Yazaki – Assunção Juntos
São Paulo – SP