A Palavra de Deus, neste último domingo do ano litúrgico, convida-nos a tomar consciência da realeza de Jesus. Deixa claro, no entanto, que essa realeza não pode ser entendida à maneira dos reis deste mundo: é uma realeza que se exerce no amor, no serviço, no perdão, no dom da vida.
A primeira leitura apresenta-nos o momento em que David, chefe das tribos do sul, se tornou rei de toda Israel, a pedido dos anciãos que habitavam o Norte e temiam a invasão dos filisteus. É a primeira vez que se consegue a união das tribos do Norte, do Centro e do Sul sob a autoridade de um único rei (as “doze tribos” que a tradição teológica designará como o “Povo de Deus”).
Com David, iniciou-se um tempo de felicidade, de abundância e de paz, que ficou na memória de todo o Povo de Deus.
E como a história de David se relaciona com a festa de Cristo Rei? Nos séculos seguintes, o Povo sonhava com o regresso a essa era de felicidade e com a restauração do reino de David: os profetas haviam prometido a chegada de um descendente de David que iria realizar esse sonho. Assim sendo, a vinda de Jesus Cristo constitui a resposta de Javé aos sonhos do povo de Israel. Jesus trará paz e salvação, mas reinará segundo a lógica de Deus que se contrapõe, muitas vezes, à lógica dos homens.
Na segunda leitura São Paulo se dirige aos Colossenses, mostrando a suficiência de Cristo para se obter conhecimento profundo de Deus e acessar sua proposta de salvação aos homens. Em outras palavras, é através de Cristo que Deus se revela. Desta forma, não se fazia necessário aderir a outras práticas religiosas propostas por alguns doutores da lei da comunidade de Colosso.Paulo manifesta-se contra esta confusão religiosa, proclamando Cristo como centro de todo o universo e detentor da supremacia e autoridade sobre toda a criação.
Mas o que significa termos Cristo como centro de nossas vidas? Ele é referênciana qual se baseiam nossos valores, comportamentos e atitudes?
E pensando na comunidade cristã da qual fazemos parte, Ele realmente reina entre nós? Ou há outros deuses que usurpam o seu lugar?
No Evangelho, Lucas nos traz o final da caminhada terrena de Jesus, momento em que ele aparece crucificado junto de dois malfeitores e recebe zombarias por parte dos soldados e de autoridades da região. A grande pergunta proferida por todo será porque Ele, sendo Rei dos judeus e o Messias, não se salvava a si mesmo? Como poderia estar e permanecer nesta situação? O povo presenciava a situação, perplexo e silencioso. Por trás da cruz onde estava Jesus, havia uma inscrição: “Este é o Rei dos judeus”. O desfecho da cena é o fato de um dos ladrões reconhecer que eles mereciam punição e morte pois haviam pecado ao passo que Jesus nada tinha feito de mal. E o mais importante é o pedido que ele faz a Jesus de se lembrar dele quando Jesus começar a reinar, ao que Ele reponde: “Em verdade, te digo, hoje estarás comigo no Paraíso”.
O quadro que Lucas nos traz encerra um verdadeiro paradoxo, uma vez que Jesus sendo Rei dos Judeus não apresentava nenhum poder sobre a sua situação, não estando sentado num trono, mas pregado na cruz. Ele não se identifica com a realeza terrena, cheia de poder e autoridade, mas é um Rei que preside da cruz, um Reino de serviço, de amor, de entrega, de dom da vida.
Através do diálogo final entre Jesus e o ladrão que roga por sua salvação, depreende-se o caráter da realeza de Jesus: a partir da sua cruz e da vivência e compartilhamento do sofrimento humano, Jesus oferece perdão e vida plena a todos aqueles que crerem nele e pedirem salvação.
Toda a vida de Jesus foi dominada pelo tema do “Reino”. Ele começou o seu ministério anunciando que “o Reino chegou”. Suas palavras e gestos sempre mostraram que Ele tinha consciência de ter sido enviado pelo Pai para anunciar o “Reino” e para trazer aos homens uma era nova de felicidade e de paz. Os discípulos logo perceberam que Jesus era o “Messias”, título que O ligava às promessas proféticas e ao reino ideal de David com que o Povo sonhava. Contudo, Jesus nunca assumiu com clareza o título de “Messias”, a fim de evitar equívocos: numa Palestina em ebulição, o título de “Messias” tinha algo de ambíguo, sugerindo confrontos e divergências contra o ocupante romano. A afirmação da sua dignidade real passa pelo sofrimento, morte e entrega de Si próprio. É neste sentido que o Evangelho de hoje nos convida a entender a realeza de Jesus.
Nesta perspectiva, celebrar a Festa de Cristo Rei não é celebrar um Deus forte e dominador, mas sim um Deus que serve, que acolhe e que reina nos corações com a força desarmada do amor. Esta é a sua verdadeira força!
Para nossa reflexão pessoal: é este Deus que reina em nossos corações ou nos deixamos dominar por outros mais poderosos? E ainda, diante do despojamento de Jesus será que nossas pretensões de honras, aplausos e reconhecimento não soam por demais egoístas e infantis?
E pautados pelo ladrão arrependido e que busca salvação, usamos de sabedoria e humildade pedindo a Jesus que se lembre de nós quando Ele começar a reinar?
Sandra Yazaki
Assunção Juntos – São Paulo
Respostas de 2
Sandra, considero as indagações que você coloca ao final da reflexão muito pertinentes: acredito que devamos nos perguntar constantemente quem é Jesus, afinal, para nós.
Boa reflexão. Nos prepara também para começar o advento..Obrigada