Neste mês que passou, vivemos um turbilhão de emoções… Espanto, horror, compaixão, incredulidade, angústia, solidariedade, interrogações mil… Mais uma vez, o mundo, estarrecido, assistia ao início de uma guerra… Um mês já se foi, desde o dia 07 de outubro, e o horror e o medo se multiplicaram…
A História da humanidade é, infelizmente, uma história de guerras… Há muitas coisas bonitas, evidentemente, que marcam a História deste nosso mundo: há histórias de generosidade, de heroísmo, de sacrifícios pessoais por uma causa que merece a entrega de vidas; há histórias de amor e de doação de si; há histórias de grandes talentos artísticos que semeiam beleza e harmonia; há histórias de grandes inventos científicos que salvam vidas, que produzem progresso, que abrem novas possibilidades para a humanidade; há histórias de santidade, de pessoas capazes de mover o mundo pela força de sua fé… Tudo isso é verdade, e devemos agradecer a Deus pelo fato de seres humanos serem capazes de tantas coisas belas e boas…
Mas há também um outro lado na História da humanidade. E esse lado é triste, é pesado, é doloroso… É a história da ambição desmedida, do endeusamento do dinheiro e do poder; de um instinto de dominação que não conhece freios; da capacidade de ódio e de ferocidade sem limites que existem no coração humano; do desejo desenfreado de impor a outros suas ideias ou suas crenças; de não tolerar o “diferente”; de se sobrepor pela força bruta… E aí reside a origem das guerras que, desde o tempo da Pré-História, assolam nosso planeta…
Sim, desde o dia 07 de outubro há uma “nova” guerra em nosso mundo, que se junta a tantas outras que estão acontecendo em vários países. Digo “nova” entre aspas por duas razões: primeiro, porque não é de hoje que a situação entre Israel e a Palestina é marcada por ações violentas; em segundo lugar porque, quando falamos de guerra, o que nos vem à mente são as lutas e afrontamentos que os meios de comunicação nos fazem ver, mas quantas outras estão sendo travadas há anos em vários países da África e da Ásia que não têm espaço nas mídias.
Mas o sofrimento que elas trazem às pessoas por elas atingidas é igual para todos: são crianças que não nascem porque suas mães são mortas, ainda grávidas; são mulheres estupradas por ódio racial; são pessoas implodidas por foguetes com partes de seus corpos voando pelos ares; são pessoas idosas ou portadoras de deficiência que morrem à míngua, pois seus cuidadores foram brutalmente assassinados; são jovens sonhadores que não verão um futuro; são pessoas que buscam desesperadamente seus entes queridos, sem saber se estão vivos ou mortos; são milhares de mortos relatados em estatísticas frias; são cidades destruídas; são países dominados…
Toda guerra é fratricida, pois toda guerra está simbolizada em Caim que mata Abel: um irmão que mata seu irmão, pois todos somos irmãos, membros da raça humana, filhos do mesmo Pai, nosso Criador…
Demos graças a Deus por nosso país não estar mergulhado nessa loucura que é uma guerra… Mas, lembremo-nos, temos muitas vezes nossas “guerras particulares”… Ainda que não possamos comparar o horror de uma verdadeira guerra com o sofrimento pelo qual podemos estar passando, tomemos consciência de que ele pode também ser muito grande… Há famílias despedaçadas por divisões e ódio… Há crimes de morte que se cometem entre esposos, ou entre pais e filhos – basta ver os jornais dos últimos dias… Há crimes cometidos por motivos tão fúteis como uma briga de trânsito ou entre torcedores em um jogo de futebol… E essas ações deixam marcas terríveis na vida de muitas pessoas…
Diante de tanto desatino que nós, seres humanos, podemos cometer, corremos o risco de perder a esperança… E temos vontade de fazer nossas as palavras do grande poeta Castro Alves em seu poema “Vozes d’África”. Diante da injustiça e da calamidade de sofrimentos que ele via, em sua época, na escravidão – que até hoje repercute em nossa sociedade – somos tentados a fazer nosso o grito que o poeta colocava na boca do continente africano: “Deus! Ó Deus! Onde estás, que não respondes? / (…..) Há dois mil anos te mando meu grito / que, embalde, assim inteiro corre o infinito…/ Onde estás, Senhor Deus?…”
Somos cristãos… Somos irmãos e irmãs das pessoas que, pelo mundo afora, estão em profundo sofrimento, sem saber se seus entes queridos estão entre os mortos, ou os desaparecidos, ou se se tornaram reféns… Apesar das distâncias geográficas, há brasileiros entre essas pessoas. Talvez até alguém que esteja lendo esse texto conheça familiares ou amigos desses irmãos nossos…
Mas não percamos a esperança na misericórdia de Deus. Voltemos a ouvir aquela que é nossa mestra de vida, Santa Maria Eugênia, e ouçamos o que ela nos diz: “Esperar é colocar a mão na mão de Deus e caminhar. Não há mão mais amorosa nem mais sábia para conduzir nossos passos”. Nos momentos em que necessitamos muito de um apoio para enfrentar uma dificuldade, uma situação de sofrimento, algo cuja razão não conseguimos ver com clareza, Deus está sempre pronto a nos guiar. À pergunta “Onde estás, que não respondes?”, ele mesmo nos diz: “Eu estou com você” (Jr 1, 8) Deus está sempre perto de quem o invoca. Ele, que conhece nossa fraqueza, nunca nos deixa sós.
Guardemos no coração a palavra se Santa Maria Eugênia sobre a esperança. Ter esperança nos traz a paz interior, porque ter esperança é firmar-se na certeza de que Deus nunca nos abandona, mesmo nos momentos mais intensos de sofrimento. Mas, cuidado com a interpretação que damos à palavra de Santa Maria Eugênia. “Esperar” pode ser tomado num sentido puramente passivo, sinônimo de “aguardar”… Não é nesse sentido que ela nos fala. Maria Eugênia nos fala de uma esperança ativa, alerta, que nos dá a energia de que precisamos para caminhar na vida. É no sentido da palavra “esperançar”, que Paulo Freire comenta: é animar, é encorajar…
A esperança, junto com a fé e o amor, faz parte das chamadas virtudes teologais”, que têm Deus por objeto: eu creio em Deus, eu espero nele, eu o amo… A Bíblia nos fala de Deus como “nossa rocha firme”, “o rochedo em que me abrigo”. “Esperar”, como diz Santa Maria Eugênia, é apoiar-se nesta rocha firme, é abrigar-se nesse rochedo que não cede às enxurradas que podem acontecer em nossas vidas.
Sejamos pessoas de esperança e semeadoras de esperança, que sabem responder àquela interrogação que circunstâncias várias podem fazer surgir em nosso coração: “Onde estás?”. Fortaleçamo-nos com as palavras de Jesus: “Eis que estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20).
Irmã Regina Maria Cavalcanti