“O QUE É, O QUE É?…”

No outro dia, eu estava andando distraída quando meu olhar bateu num pequenino detalhe que me encheu de esperança… Bem espremidas entre o fim de uma varanda que acolhe quem chega à casa e a calçada que a rodeia, duas folhinhas verdes, e um caule bem fininho, na ponta do qual havia uma florzinha cor-de-rosa, minúscula, balançavam-se ao vento… Parei e fiquei olhando… Parecia-me que a florzinha me falava: “Olá! Olhe para mim: estou alegre porque estou viva!”

E eu continuei olhando para a pequena flor, ao mesmo tempo tão frágil em sua delicada beleza e tão forte na capacidade de viver – e florir – em meio ao cimento… E me lembrei de um livro de Paulo Freire que li há um certo tempo em que ele falava da nossa “vocação ontológica para o Ser Mais”. Realmente, não podemos medir a força que tem a vida, e seu impulso para ser e crescer cada vez mais…

Você já tentou definir o que é a vida? É muito difícil definí-la… Existe uma canção do Gonzaguinha – um grande nome de nossa música popular – que você talvez conheça. Seu título é “O que é, o que é?” e refere-se exatamente a isto: o que é a Vida? A resposta vai depender do ponto de vista do qual você parte: puramente físico?… biológico?… químico?… antropológico?… filosófico?… espiritual?… Há mil maneiras possíveis de encarar a vida… Você que está lendo este texto, pare um minuto e pense: Como é que eu vejo a vida? Como a defino?…

A letra da canção “O que é, o que é?” tem como refrão: “Eu fico com a pureza da resposta das crianças: É a vida, é bonita, e é bonita!” Não vamos nos perder em tentar definir o que é indefinível… Vamos ficar com uma constatação que brota do sentimento e não da razão, da espontaneidade e não da lógica, do “maravilhamento” e não do ceticismo. Digamos apenas que a vida é bonita e feita para trazer alegria…

Mas, por outro lado, não sejamos ingênuos… O sofrimento existe na vida de muita gente, na nossa também… Isto faz com que muita gente se queixe da vida… Há mesmo quem só vê o seu lado triste. Diz a canção: “Mas, e a vida, ela é maravilha ou sofrimento? Ela é alegria ou lamento? O que é, o que é, meu irmão? Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo, é uma gota, é um tempo que não dá um segundo” …

É verdade que há fases de lamento em nossa vida. E é verdade também que ela é algo de breve… Mesmo as pessoas que vivem mais de cem anos – e não são tantos assim os “centenários” – têm vidas que são um “nada” diante do conjunto da história da humanidade, menos ainda diante da história da existência de nosso universo. Ninguém entre nós sabe quanto tempo vai durar sua permanência aqui na nossa Terra… Mas o importante é fazer de nossa vida algo que valha a pena…

Sim, porque nossa vida é um dom. Ninguém pediu para nascer… E, no entanto, nascemos, vivemos – para algumas pessoas, tranquilamente, para outras, aos trancos e barrancos – mas crescemos e hoje, adultos, podemos dar à nossa vida uma orientação. “Somos nós que fazemos a vida, como der, ou puder, ou quiser”, como diz a canção. As condições nas quais vivemos não nos determinam; podem até dificultar, ou facilitar, a realização do sonho que temos para nossa vida. Mas somos nós mesmos, com nossa vontade e nossa liberdade eminentemente humanas, que decidimos o rumo a tomar.

Dentre as muitas interpretações que são dadas à vida, “há quem fale que é um divino mistério profundo, é o sopro do Criador numa atitude repleta de amor”. Sim, nós somos estas pessoas, nós que temos fé; esta é a nossa fala… Se nascemos, foi devido a um ato de amor de nossos pais e também daquele que é o Pai de todos nós. A vida é um dom precioso. Por ser tão preciosa, não podemos nos esquecer daquela “vocação ontológica” que citávamos no início deste texto, a vocação “para o Ser Mais”. Nossa vida é um apelo contínuo a ser mais… A crescermos constantemente em compreensão, em abertura para os outros, em dom de nós mesmos, em busca do bem, em fraternidade e solidariedade. 

Há pessoas cuja vida marca uma época. Certamente você já leu a biografia de alguma destas pessoas que merecem nossa admiração. E entre as pessoas que você conhece, com quem convive, quais são aquelas que você admira? E quais são as razões que despertam em você essa admiração? Estas pessoas não despertam em você o desejo de “ser mais”? De ser melhor? Pare e pense um minuto…

“Viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar, e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz (ai, meu Deus!). Eu sei que a vida devia ser bem melhor e será, mas isto não impede que eu repita: É bonita, é bonita e é bonita!” Sim, somos eternos aprendizes… Aprendizes em humanidade… Somos todos seres humanos, mas precisamos nos “humanizar” continuamente, isto é, precisamos ir nos tornando cada vez mais aquilo que Deus quer que sejamos: imagem e semelhança dele mesmo. Assim, nossa vida “será bem melhor” …

Gonzaguinha, o autor desta canção sobre a qual estamos refletindo, não conhece Santa Maria Eugênia. Mas acredito que, se ele a conhecesse, concordaria com muitas coisas que ela diz… Uma vez, ela disse o seguinte às Irmãs: “Cada uma de nós, aqui embaixo, é um esboço do qual vai sair uma criatura nova (….) Durante esta nossa vida, trata-se de transformação. Vejam a lagarta antes de ser uma bela borboleta! Pobre lagarta…”

Parece-me poder resumir este pensamento de Maria Eugênia em duas palavras. Uma, ela a disse: “TRANSFORMAÇÃO’’. A outra está subentendida: “ESPERANÇA”. A vida deve ser para nós uma contínua jornada de transformação.: transformar-nos cada vez mais em pessoas melhores… Crescer continuamente em nosso ser interior. Esta é a receita para viver bem, para fazer com que esta nossa vida seja cada vez mais bonita…

E o que nos dá força nesta jornada é a esperança. É ter esta espécie de certeza interior de que somos todos chamados para algo maior. Mesmo quando percebemos nossas limitações e nossas quedas, lembrar-nos de que Deus tem um projeto para nossa vida e de que ele está sempre pronto a ajudar-nos na caminhada rumo à realização deste projeto nos anima a continuar. Isto é ter esperança. Isto é dar um sentido à sua própria vida.

Mas não é possível falar da vida sem falar também de algo que muitas vezes nos assusta: a morte… Apesar de não gostarmos muito de pensar nela, trata-se de uma realidade da qual ninguém pode escapar… A vida é “sempre desejada, por mais que seja errada. Ninguém quer a morte, só saúde e sorte”.

Há muito tempo atrás, li um texto que me fez bem e que quero partilhar com vocês: é uma comparação entre o nascimento e a morte. Antes de nascer, enquanto estávamos no ventre de nossa mãe, não tínhamos necessidade de coisa alguma: não sentíamos nem frio nem calor, nem fome nem sede, nem solidão nem tristeza… Todos os nossos desejos e necessidades eram atendidos. Estávamos bem instalados, não passávamos por nenhum sofrimento – estávamos bem… No entanto, chegou o dia em que o espaço em que estávamos tornou-se pequeno demais para nós… E fomos expulsos de lá… Não pedimos isso, não queríamos isso… Passamos por uma crise, possivelmente angustiante… Fomos jogados no desconhecido… Só que, chegando neste outro lado, começamos a descobrir coisas muito melhores do que tudo o que tínhamos no ventre de nossa mãe: descobrimos a beleza das cores e do sorriso da mãe e do pai; a delícia de um banho morninho e do carinho de mãos que nos acariciavam; a maravilha de uma música suave e das vozes das pessoas que nos cercavam; o aconchego de adormecermos confiantes no colo de nossa mãe, e por aí vai…

Assim também nós, quando chegarmos do lado de lá… Enquanto estamos nesta Terra, gostamos da vida que temos. Mesmo que ela esteja cheia de problemas, não queremos deixá-la… Mas vai chegar para cada pessoa o momento da crise, da passagem para o lado de lá, para o outro lado da vida… E aí vamos descobrir belezas e maravilhas que nem podemos imaginar…

No início deste mês de outubro, celebramos estas duas realidades, a vida e a morte. No dia 02, celebramos o Dia de Finados, o dia em que pensamos e rezamos pelos membros de nossa família e pelos amigos que já fizeram a experiência deste dia de passagem, da última etapa deste “casulo” do qual vai sair, totalmente transformada, a bela borboleta que habita dentro de cada um – a plena realização do projeto de Deus sobre sua vida. Sim, esta borboleta “bonita, bonita e bonita” que foi sendo construída por meio de contínuas transformações na vida, transformações que foram tornando estas pessoas, dia após dia, pessoas melhores.

E, no domingo, dia 06, foi a Festa de Todos os Santos, festa para a qual somos todos convidados desde que nascemos… Mas, por que existe esta festa se ao longo do ano já celebramos tantas festas de santos?… É verdade que celebramos a memória de muitos santos ao longo dos 365 dias do ano. Este são os santos conhecidos por alguns fatos extraordinários em suas vidas: pelo martírio, ou por terem feito algum milagre, ou por terem deixado escritos que ajudam as pessoas a se aproximarem mais de Deus, ou por outras razões. Mas “santos” não são só estas pessoas extraordinárias. Há milhares e milhares de santos junto de Deus cujas vidas foram simplesmente normais, mas vividas com Deus, e cujos nomes não conhecemos. Santos são todos aqueles que buscam sinceramente viver segundo as palavras de Jesus, segundo os valores do Evangelho. Santos são aqueles que vivem na graça de Deus.

 E assim somos chamados, todos nós, a viver… Se nossa vida for um contínuo processo de transformação, se nos deixarmos formar e transformar pela ação da graça de Deus em nós, se deixarmos que a esperança nos conduza à plena realização do projeto de Deus em nós – então seremos cidadãos e cidadãs do Reino e a Festa de Todos os Santos será nossa festa também. Sim, o Senhor preparou para cada um de nós um lugar perto dele, perto também daqueles que amamos e onde poderemos cantar louvando e agradecendo ao Pai o fato de que a vida que ele nos deu “é bonita, é bonita e é bonita”.

Irmã Regina Maria Cavalcanti 

 

 

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