DOMINGO, 18 DE AGOSTO
A festa que celebramos hoje é uma verdade de fé. Uma verdade oculta, que atravessou séculos antes que a humanidade – e a própria Igreja – se dessem conta de seu conteúdo: a grandeza do feminino, da mulher criada por Deus para ser a companheira, igual em dignidade ao homem. Maria é figura da Mulher, figura da Igreja, figura daquilo que Deus quer para toda a humanidade desde que a criou – e o que Deus quer para nós, para cada um e cada uma de nós, é a Vida em plenitude.
E o que significa vida em plenitude, Vida com letra maiúscula? É a vida em que tudo o que – como seres humanos – temos de bom esteja em sua plenitude: alegria plena, beleza plena, bondade plena, amor pleno – tudo em seu mais alto grau. É isso o que Deus preparou para os seus filhos, para aqueles que o amam, como nos diz São Paulo. Ter a Vida em plenitude é estar na glória de Deus. É estar com Deus. Jesus prometeu que iria “preparar uma morada para os seus” (cf. Jo 14,2). Esta é a nossa esperança.
Maria foi a primeira, dentre nossa raça humana, a entrar neste Vida em plenitude. Durante sua vida humana, Maria foi sempre toda de Deus. Mas isso não a livrou de sofrimentos… Jovem ainda, grávida sem ter marido, ela certamente deve ter tido que aguentar olhares atravessados, desconfianças, julgamentos… Até mesmo José, que era seu noivo, pensou em abandoná-la até ser assegurado por um mensageiro de Deus que a criança que estava sendo gerada no seio de Maria era obra de Deus, e que a missão, tanto de Maria como de José, seria de criar aquele que era o filho de Maria, mas também o Filho de Deus. Mulher adulta, ela viveu a solidão depois da morte de José e do início da vida pública de Jesus, que pregava nas aldeias e cidades de seu país, levando ao povo a Boa Notícia do Reino de Deus. Mais ainda, ela foi vista como a mãe do condenado, que não o abandonou quando ele foi julgado e executado na cruz…
Maria viveu como viviam as mulheres de seu povo e de seu tempo. Não havia coisa alguma nela que chamasse a atenção das pessoas, fazendo com que ela fosse “diferente”. Sua vida, que não tinha aparentemente nada de extraordinário, era, no entanto, muito preciosa aos olhos de Deus, pois era toda voltada para ele. Maria foi sempre “de Deus”…
Os evangelhos nos contam muito poucas palavras de Maria. Mas estas poucas, que vieram até nós, nos fazem ver duas grandes linhas na vida de Maria, que podem nos inspirar em nossa própria caminhada pela vida. A primeira delas é o seu “sim” à vontade de Deus, um “sim” sem condições. Ao dizer “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38), Maria entregou completamente a Deus a direção de sua vida. Para ela, o que realmente importava era uma coisa só: fazer a vontade de Deus.
A segunda palavra que temos dela é mais longa, mas tão de comprometimento quanto a primeira. É um cântico de louvor a Deus por tudo aquilo que ele fez, e continua fazendo na História. É o canto do Magnificat, que o povo cristão continua até hoje a cantar, em louvor e agradecimento a Deus por tudo o que ele faz na vida de seu povo e na vida de cada um e cada uma de nós. Maria foi uma mulher profundamente reconhecedora e agradecida a Deus por tudo o que ele faz e continua fazendo por nós.
Em todos os momentos, Maria sempre viveu na fé e na esperança. A terceira palavra que temos de Maria e que pode orientar nossa vida nos mostra outra característica sua: ela sempre foi extremamente atenta aos outros, às suas necessidades, e sempre pronta a sair de si mesma para ajudar a alguém. Essas são marcas de quem vive o verdadeiro amor fraterno: a capacidade de perceber os problemas das pessoas e de encontrar meios para ajudá-los na busca de soluções. É o que vemos no relato da festa de casamento na qual tanto ela como Jesus estavam presentes, em Caná, na Galileia. Foi lá que, referindo-se a Jesus, ela disse aos que estavam servindo os convidados: “Façam tudo o que ele disser a vocês” (Jo 2, 5).
Quando seu tempo de vida chegou ao fim, Maria foi levada por Deus para junto de si, onde pôde enfim entrar na Vida em plenitude, de corpo e alma no Reino de Deus. É este o mistério da Assunção, que celebramos hoje. É a razão de nossa esperança: Deus quer nos dar a todos esta Vida em plenitude na felicidade eterna. Caminhemos para isto, vivendo nossa fé com intensidade.
Vejamos oque nos diz a liturgia da festa de hoje:
A Primeira Leitura é tirada do Livro do Apocalipse. É o livro que conta a visão de São João, o apóstolo que teve a coragem de não fugir quando prenderam Jesus. Entre os doze, ele é o único que ficou ao pé da cruz, ao lado de Maria. O livro é, por assim dizer, escrito “em código”. Este livro deu coragem às primeiras comunidades cristãs diante da perseguição que sofreram pelo poder do Império Romano, porque o livro anuncia, por meio de símbolos e visões, o que virá “depois”…
O texto de hoje nos fala de “uma mulher vestida de sol, com a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”. Quem é esta mulher?… É Maria, a mais perfeita de todas as criaturas, revestida da graça de Deus, Imaculada, a única pessoa puramente humana que não foi manchada pelo pecado. Ela é Mãe, e está para dar à luz um Filho. Esse Filho, nós o sabemos, é Jesus que, desde o seu nascimento, teve que enfrentar o Mal, o Pecado, simbolizado no texto pelo Dragão. Uma “voz forte” de que o texto fala anuncia que a salvação se realizará.
O Salmo retoma, de uma certa maneira, a visão da mulher. Ela é a “Rainha com veste esplendente de ouro”, que está à direita de Deus. Ela já “ingressou no palácio real” pela sua Assunção, pois foi levada por Deus, de corpo e alma, para junto dele.
Na Segunda Leitura, São Paulo nos fala da ressurreição de Cristo, que é “primícia”, pois todos nós ressuscitaremos um dia. Maria foi à nossa frente. Nela já se realizou aquilo que para nós ainda é promessa: a Vida em plenitude, junto de Deus.
No Evangelho, vemos Maria, grávida, indo ao encontro de Isabel, também grávida. O encontro dessas duas mulheres trouxe-nos um diálogo inspirado pelo Espírito Santo. As palavras de Isabel têm sido repetidas pelos cristãos desde os primeiros séculos, pois fazem parte da saudação a Maria que todo o povo cristão reza: “Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre”. As palavras de Maria também são palavras que repetimos quando rezamos o seu canto, o Magnificat. Este canto é a palavra de Maria que encontramos no evangelho, um canto de ação de graças pela misericórdia de Deus, que constantemente olha pelos seus e age “dispersando os soberbos de coração e elevando os humildes”. Nesta festa da Assunção, rezemos a Maria e com Maria com as palavras deste trecho do evangelho. E lembremo-nos de guardar no coração as palavras que ela nos deixou como luzes para iluminar nossa vida.
Irmã Regina Maria Cavalcanti