Sentada no sofá, vendo um álbum de fotos antigas, a mãe ia explicando ao filho: “Esta aqui é a casa onde a gente morava quando você nasceu”. Os olhos do menino se arregalaram, ao entrar em contato com coisas que aconteceram antes mesmo de ele começar a existir… “E esta casa, de quem é”? A mãe está apontando para outra foto. “É a da vovó”, responde ele. “Isso mesmo. Ela mora nessa casa desde que se casou”.
“Olha a vovó aqui quando ele era mais nova”. E os olhos do menino se arregalaram de novo, diante dessa surpresa. Algumas folhas do álbum depois, a mãe aponta para a foto de um bebê: “E quem é esse aqui?” pergunta o menino. A mãe olha bem para ele, com muito carinho no olhar, e diz: “É você, quando era bem pequenininho”… Os olhos da criança quase que saltam. “Eu?! Eu era assim?”… A mãe sorri, passa a mão na cabeça do menino e responde: “Sim, você era assim”…
E você, já fez a experiência de tomar um tempo para ver fotos antigas? As roupas que se usavam há 10, 15 ou 20 anos atrás podem até parecer estranhas, mas era assim… O tipo de óculos que as pessoas usavam pode parecer engraçado, mas era assim… E você? Como você era há 10, 15 ou 20 anos atrás?…
Olhe uma foto sua de 10, 15 ou 20 anos atrás e outra foto sua atual; ou então, olhe sua foto antiga e olhe-se no espelho. Você pode até dizer: “Como eu mudei…” Sim, você mudou… Eu também mudei… Nós todos mudamos… O tempo produz mudanças em nós. A questão é saber que tipo de mudanças ele produziu em nós…
Mas, além das mudanças, rever fotos antigas trazem à nossa memória fatos, situações, pessoas, histórias… Um álbum de fotos antigas faz-nos reviver momentos de nossas próprias vidas. E cada um, cada uma, de nós já passou por tantas experiências diferentes… Algumas destas foram momentos de profunda alegria: o nascimento de um irmão ou de uma irmã; a volta à saúde e à vida normal de alguém da família; a conclusão de um curso; o reconhecimento de nossas próprias capacidades num primeiro emprego; o encontro com aquele ou aquela que se tornaria nosso companheiro(a) de vida; o nascimento de um filho, de uma filha… Cada pessoa tem sua lista de grandes alegrias vividas, que gostamos de revisitar pela memória.
Mas nenhuma vida humana é composta só de momentos alegres… As fotos antigas podem nos trazer também lembranças tristes de angústias vividas, de momentos de escuridão e de dor… Neste mês de novembro, então, em que nos lembramos de modo especial de parentes e amigos que já se foram, que já estão com Deus, fotos antigas podem reacender em nós saudades que machucam…
Cada um de nós vive, ao longo de sua existência, fatos, relacionamentos, descobertas, acontecimentos… Muitos destes são positivos, vivem dentro de nós como pontos luminosos em nossa caminhada pela vida. Eles produzem em nós sentimentos de paz, de bem-estar, de uma saudade alegre dos anos que já se passaram. Eles nos ajudam a olhar o que vem pela frente de uma maneira corajosa e alegre. Mas há também pontos escuros em nossa própria história de vida… São aqueles fatos, ou relacionamentos, ou ainda acontecimentos que nos fizeram sofrer, trazendo dor, dúvidas, tristeza, angústia ao nosso coração… Lembrar estes fatos não é agradável, mas é necessário para que possamos tomar nossa vida em mãos.
A memória é uma faculdade humana maravilhosa. Você já imaginou como seria triste uma vida na qual não nos lembrássemos de nada: nem do dia de ontem, nem do que nos aconteceu há anos atrás?… É por isso que é tão triste uma pessoa que tem amnésia, que não se lembra sequer do que aconteceu ontem… De fato, nossa memória nos ajuda a viver.
Há muitos anos atrás, houve um samba-canção que dizia assim: “Recordar é viver. Eu hoje lembrei de você”… É por isso que um álbum de fotos antigas nos ajuda. A vida de cada um de nós faz parte de um conjunto de várias outras vidas que se entrelaçam com a nossa. Muito daquilo que somos é algo que herdamos de nossas famílias. A história vivida por nossos antepassados explica muita coisa de nossa própria história. Você conhece a história de vida de seus avós?… De seus bisavós?… De onde vieram?… Como se conheceram?… Quais foram suas lutas, as dificuldades que encontrarem?… Como era a vida no tempo em que tinham a idade que você tem hoje?… E quando eram jovens, começando a vida?… Quais eram os ideais que os guiavam?… Quais são as vitórias que eles têm consciência de terem alcançado?…
Se você tem a sorte de ter os pais, os avós e, que sabe, os bisavós ainda vivos, faça uma entrevista com eles, com essas perguntas e outras mais que vocês quiserem, e depois compare as respostas deles com a sua própria vida. Garanto que você vai ter surpresas…
Santa Maria Eugênia tem um conselho muito sábio para guiar a caminhada por este “álbum de fotos antigas” da vida de nossa família e da vida de cada um de nós. Ela dizia: “Façamos de toda lembrança do passado um canto de ação de graças”.
Sim, fazer de nossas lembranças um canto é saber viver… Mas Santa Maria Eugênia não fala de qualquer canto… Ela fala de um canto de ação de graças… E o que é que ela quis dizer com essas palavras? Em primeiro lugar, que sejamos pessoas que saibam agradecer. E que saibamos reconhecer que Deus está presente em todos os acontecimentos de nossa vida. Nossa própria vida é um dom que recebemos de Deus através de nossos pais. E todos os acontecimentos que vivenciamos podem se tornar meios para crescermos em humanidade, para nos tornarmos pessoas melhores, mais próximas daquilo que Deus “sonhou” para cada um, cada uma de nós.
Não é difícil agradecer pelas coisas boas que nos aconteceram, pelas pessoas que foram pata nós incentivo, apoio, ajuda… Mas será que devemos também agradecer por aquilo que nos fez sofrer?… Será?… Reparem que Santa Maria Eugênia diz: “… de toda lembrança do passado”… “Toda” – essa palavra inclui também os fatos que sentimos como negativos, pesados, sofridos… E por quê? Porque agradecer a Deus por esses fatos nos ajuda a nos despirmos de toda mágoa, ressentimento, ou até memo ódio, que possa estar amargurando nosso coração. E, fazendo isso, nós nos tornamos pessoas mais autênticas, mais conformes ao que Deus espera de nós. Como todos os pais e mães, Deus, que é nosso Pai, “sonha”, deseja, que cada um de nós realize plenamente seu projeto e se torne uma imagem viva daquilo que ele realmente é.
Portanto, vamos olhar nossas “fotos antigas”, seja no álbum, seja na memória, e compor nosso canto de ação de graças por tudo o que Deus nos permitiu viver. Nossos próprios olhos vão se arregalar ao vermos a beleza desta vida que Deus nos deu…
Irmã Regina Maria Cavalcanti