Ser trigo e não joio
Mais uma vez, neste domingo, vamos ouvir Jesus nos falando em parábolas. Esta era uma maneira muito característica da fala de Jesus, quando ele se dirigia às multidões. As parábolas faziam parte da pedagogia de Jesus. Uma história curta, tirada de fatos do dia a dia da vida, é algo fácil de ser guardado na memória. E, para que um ensinamento seja entendido, recordado e vivido, é preciso que ele seja guardado “de cor”, isto é, no coração…
As parábolas que Jesus usou na sua pregação eram tiradas da vida concreta do povo: falam dos pássaros, das flores, dos peixes, do trabalho das mulheres, das sementes e das colheitas, da labuta dos que trabalham a terra, do laço entre o pastor e suas ovelhas, e de tantas outras coisas que pontilham a vida das pessoas. Jesus olhava estes cenas tão corriqueiras e lia nelas uma mensagem do Pai para seus filhos e filhas.
Deus nos fala continuamente através de sua Palavra, que encontramos nas Escrituras, mas também a partir de nossa vida do dia a dia. Você já parou para pensar na mensagem que Deus lhe dirige quando você contempla um bonito pôr de sol ou uma noite estrelada? Quando, andando pela rua, você se depara com uma cena inusitada? Quando você se ocupa com as tarefas domésticas ou com as que são próprias do seu trabalho?… São muitas as “parábolas vivas” que podemos ir identificando ao longo de nosso dia…
Mas vejamos qual a mensagem que Deus nos dá através da liturgia deste domingo:
A Primeira Leitura (Sb12, 13. 16-19), começa com uma frase impactante: “Não há, diante de ti, outro Deus que cuide de todas as coisas”. Este trecho do Livro da Sabedoria nos mostra algumas das características de Deus. Antes de mais nada, o texto afirma que Deus está próximo de tudo o que criou. Não somente ele está próximo, mas ele tem um olhar benevolente sobre toda a sua criação: “…o teu domínio sobre todos te faz para com todos indulgente”. Nosso Deus é um Deus amoroso, pronto a compreender e perdoar. “Julgas com clemência e nos governas com grande consideração”, continua o texto. É talvez surpreendente pensar que Deus nos trata “com grande consideração”… Sem usar a palavra, o autor do texto atribui a Deus as qualidades de quem é pai…
Como um verdadeiro pai, Deus se alegra ao ver em nós, seres humanos, um reflexo de seu próprio ser: “Assim procedendo, ensinaste a teu povo que o justo deve ser humano, e a teus filhos deste a confortadora esperança de que concedes o perdão aos pecadores”. Quem é justo, diz o texto, deve ser “humano”, isto é, não ser prepotente, mas capaz “de perdoar” e não de se vingar; deve agir para com os outros “com grande consideração”, e não de maneira impositiva; deve agir como “cuidador”, e não como destruidor de tudo aquilo que por Deus foi criado.
De uma certa maneira, este texto nos faz pensar no livro do Gênesis, no qual se lê que Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança” (cf. Gn 1,26). Como um pai se alegra ao ver em seu filho a reprodução de seus próprios traços, Deus espera que manifestemos em nossa vida, em nosso agir e em nossas opções, traços que levem as pessoas a pensar naquele que é o Pai de todos nós.
A lista das qualidades que marcam o ser de Deus continua no Salmo {Sl 85 (86)} deste dia. Trata-se de um salmo de louvor, uma oração de maravilhamento diante do que Deus manifesta através de suas ações. Ele é “bom e clemente, perdão para quem o invoca; é grande e faz maravilhas; é fiel; é amor, paciência e perdão”. Este salmo é uma inspiração para nossa oração pessoal. Nossa vida é semeada de fatos pelos quais devemos louvar e agradecer a Deus. O próprio fato de estarmos vivos é um dom que sua bondade nos faz. Experimentemos rezar este salmo lembrando-nos de tudo aquilo que, ao longo de nossa vida, tem sido sinal da bondade e do cuidado que Deus tem por cada um de nós.
O texto bastante curto da Segunda Leitura (Rm 8, 26-27), tirada da Carta de São Paulo aos Romanos, nos ajuda a trazer, para dentro de nosso dia a dia, o espírito de oração e de agradecimento. De fato, Paulo nos ensina que é o Espírito Santo que nos ensina a rezar. É ele, que recebemos em nosso Batismo, que “vem em socorro de nossa fraqueza” e que “intercede em nosso favor”. Peçamos, então, que o Espírito Santo os inspire para que nos tornemos homens e mulheres de oração. Que ele nos ensine a reconhecer a ação de Deus em nossas vidas, a louvá-lo por tudo isso e a pedir sua ajuda nos momentos de dificuldade.
O Evangelho (Mt 13, 24-43) nos traz ensinamentos que o próprio Jesus deu a seus discípulos e à multidão que o seguia para ouvir suas palavras. No trecho de hoje, o evangelho de Mateus narra a parábola do joio e do trigo, assim como a explicação dessa mesma parábola, que Jesus deu a seus apóstolos quando estes a pediram. Nas paróquias ou capelas onde for lido o texto mais longo do evangelho, encontraremos duas outras parábolas também, a da semente de mostarda e a do fermento. Como dizíamos no início de nossa reflexão de hoje, Jesus tomava fatos comuns da vida diária como ilustrações do ensinamento que queria dar a seus seguidores.
Fiquemos apenas com a primeira das parábolas de hoje. Depois de contá-la à multidão, ela a explica a seus discípulos mais tarde, ao chegar em casa. É a parábola de um homem que semeou seu campo com boas sementes de trigo. Depois de algum tempo, quando a plantação começou a brotar, apareceu também o joio, que é uma erva ruim. Os empregados do dono do campo queriam arrancar o joio assim que o viram, para deixar apenas o trigo bom crescer. Mas o dono preferiu deixar que os dois crescessem até o momento da colheita, para não correr o risco de arrancar, por engano, pés de trigo junto com o joio. Só com as espigas formadas é que seria possível distinguir com clareza o joio do trigo. Aí, sim, um seria guardado e o outro, jogado fora.
No domingo passado, ouvimos também uma parábola em que Jesus falava de sementes. Apesar de o tema ser parecido, na parábola de hoje, porém, o enfoque é outro. Se Jesus, que é o verdadeiro Semeador, semeou a Palavra da Vida, a mensagem de Deus para que seus filhos e filhas a vivessem, por que será que vemos, no mundo que nos cerca, o bem e o mal crescendo paralelamente, como cresceram o trigo e o joio? E, se olharmos para dentro de nós mesmos, por que será que em nosso coração há impulsos para o bem e impulsos para o mal?
A parábola nos fala da paciência de Deus, de sua bondade, de seu desejo de os perdoar. O Evangelho faz eco ao Salmo e à Primeira Leitura. Basta ler os jornais para ver as notícias de guerras, de racismo, de todo tipo de exclusão que existe no mundo de hoje. E basta fazer um exame de consciência para ver como existem sinais do mal em nossa própria vida… Mas, porque Deus é bom e nos ama, ele não desiste de nós, quer nos perdoar e quer nos transformar. O joio real nunca poderá se tornar trigo. Mas, com a graça de Deus, uma pessoa que tenha “joio” em suas ações, pode vir a produzir “trigo” bom, se mudar a orientação de sua vida. Que o Espírito Santo opere esta mudança em cada um de nós… É isto o que Deus, que cuida de nós, espera que aconteça.
Irmã Regina Cavalcanti, RA