“Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”

“Comum” é uma palavra que usamos para falar de alguma coisa que é “normal”, “sem especificidade”, “sem novidades”, “trivial”, “repetida”… Na Liturgia, porém, na expressão “Tempo Comum”, a palavra não tem estes sentidos. Na realidade, o Tempo Comum designa o tempo litúrgico que não está diretamente ligado às grandes festas de nossa fé, isto é, a Páscoa e o Natal. O Tempo Comum abrange um grande número de domingos ao longo do ano, domingos estes que são altamente especiais, muitos dos quais cheios de algo novo – pois, a cada semana, eles nos levam a contemplar e a refletir sobre algum aspecto do ensinamento de Jesus. 

Os domingos do Tempo Comum nos fazem seguir o caminhar da Igreja. A cor dos paramentos deste tempo é o verde, cor da esperança, que deve ser a marca dos seguidores de Jesus. Além disto, é também neste tempo que se concentra o maior número de festas dos santos: nossos irmãos e irmãs que já passaram por esta Terra e que nos deixam o exemplo de como seguir Jesus no dia a dia de nossas vidas.

O Tempo Comum se divide em duas partes. Uma delas vai do final das celebrações do Tempo do Natal até o início do Tempo Pascal, com a Quaresma. A outra, do final do Tempo Pascal até o Advento, que é o início do Tempo do Natal. Estamos então, agora, no 6º domingo do Tempo Comum.

E qual é a mensagem específica deste domingo? É que Deus deu ao ser humano – a cada um e cada uma de nós – algo extremamente importante e que faz de nós seres responsáveis pelos próprios passos. Ele nos deu a capacidade de escolha, o que supõe sermos livres. Sim, Deus dotou a pessoa humana de liberdade porque confia em nossa responsabilidade em escolher o bem. A vontade de Deus é o bem, para cada ume cada uma de nós, assim como para toda a humanidade. Mas ele não impõe esta sua vontade. Temos a imensa capacidade de acolhê-la ou de rejeitá-la, de escolher a direção de nossos atos e o rumo de nossa vida.

A Primeira Leitura é tirada do livro do Eclesiástico a (Eclo 15,16-21). Este livro foi escrito cerca de dois séculos antes de Jesus Cristo e faz parte do Antigo Testamento, que é a coleção dos livros sagrados da religião judaica, do Povo de Israel, antes da chegada de Jesus. Nesta época, o povo judeu estava debaixo da dominação de povos estrangeiros. O autor do livro faz uma longa reflexão cujo objetivo é conservar a identidade do povo, identidade esta profundamente ligada à sua fé, pois o povo judeu se reconhecia como o povo escolhido por Deus, o Povo de Deus. 

Misturado como estava a outros povos que tinham outras leis, outras crenças, outros costumes e modos de vida, o autor chama as pessoas a não se deixarem levar por estes exemplos, mas a escolher permanecer fiéis à sua identidade de Povo de Deus. Ele afirma que Deus criou o ser humano para a liberdade e chama-o a exercê-la com responsabilidade. Alguns versículos antes da parte lida na liturgia de hoje, o texto diz: “Desde o princípio, Deus criou o homem e o entregou ao poder de suas próprias decisões.” No trecho cuja leitura ouvimos, é dito o seguinte: “Ele pôs você diante do fogo e da água, e você poderá estender a mão para aquilo que quiser. A vida e a morte estão diante dos homens, e a cada um será dado o que cada um escolher”.

O que será que este trecho do Eclesiástico pode nos dizer hoje? Certamente, é um chamado à nossa responsabilidade como cristãos. Não posso em consciência dizer: “Como todo mundo rouba, sou levado também a roubar”, nem tampouco: “Como todo mundo mente, sou também levado a mentir”… Não… Mesmo que todos façam o que é errado, se eu também o fizer é porque escolhi fazê-lo. E, como cristão que sou, sei que sou chamado a não fazê-lo…

O Salmo Responsorial (Sl 119 (118), por sua vez, vai afirmar que a fonte da verdadeira felicidade é deixar que a Palavra de Deus ilumine nosso caminho: “Felizes os íntegros em seus caminhos, os que andam conforme a vontade do Senhor… Guia-me pelo caminho dos teus mandamentos, pois nele está o meu prazer”. Além da capacidade de me decidir, recebi também de Deus a capacidade de conhecer sua vontade. E sou chamado, chamada, a fazer desta vontade de Deus a seta que me indica o caminho da vida.

“Na realidade, diz São Paulo na Segunda Leitura, tirada da 1ª Carta aos Coríntios (1 Cor 2,6-10), é como maduros na fé que falamos de uma sabedoria que não foi dada por este mundo, nem pelas autoridades passageiras deste mundo”. Sabemos, infelizmente, que nem sempre é pela Lei de Deus que se pautam as atitudes e as decisões das pessoas que São Paulo chama de “autoridades passageiras deste mundo”. Sabemos todos que a sociedade na qual vivemos é uma sociedade injusta, onde nem todas as pessoas gozam dos mesmos direitos, onde a lei do mais forte é o que muitas vezes decide as situações, onde a concorrência por vezes é feroz… É preciso muita força de vontade para, no meio desta situação, manter nossa identidade cristã, de pessoas de fé, de seguidores de Jesus.

Sim, porque Jesus nos mostra, no Evangelho, que é preciso ir além da letra da Lei…. Se tomarmos este trecho do Evangelho, lido hoje na celebração dominical, isolado dos demais ensinamentos de Jesus, ele pode parecer duro demais, exigente demais, pesado demais… Mas vamos aprofundar um pouco mais nossa reflexão sobre este texto.

O Evangelho segundo Mateus (Mt 5,17-37), que estamos ouvindo em vários domingos deste ano, mostra Jesus pregando num contexto em que ele tem que desconstruir uma interpretação legalista dos Mandamentos, que desciam até a detalhes minuciosos e materiais do agir das pessoas. Jesus quer levar os seus seguidores a irem além das palavras, para viver o espírito da Lei de Deus. Ele disse: “Não pensem que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim abolir, mas sim dar-lhes pleno cumprimento”. Dar pleno cumprimento à Lei significa ir além das palavras e atingir a raiz do que elas expressam. Assim, para fazer a vontade de Deus, não basta não matar: é preciso não ofender, é preciso perdoar e saber pedir perdão. Não basta ainda não cometer adultério; é preciso ser fiel de coração. Não basta tampouco não jurar; é preciso ser verdadeiro…

O ensinamento de Jesus é progressivo. Ele começa mostrando que o Pai não quer que entre seus filhos haja rixas, divisões, brigas, ofensas, mágoas e dureza de coração. Mais adiante, no decorrer de sua vida pública, Jesus vai dando mais matizes a seus ensinamentos. Quando chega o momento da Última Ceia, ele vai dar a chave que nos faz entender tudo o que ele disse antes: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Quem ama não mata. Quem ama não ofende. Quem ama perdoa. Quem ama é fiel. Quem ama seu irmão cumpre todos os Mandamentos.

Santa Maria Eugênia dizia: “O amor nunca diz: basta”. Sim, é verdade: quem ama caminha na Lei de Deus não com passos lentos, pesados, mas com passos leves e alegres, assim como corre uma criança… Que possamos todos correr assim no cumprimento da vontade de nosso Pai.

 

Irmã Regina Maria Cavalcanti
Religiosas da Assunção

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