Neste Quinto Domingo da Quaresma vamos terminando de percorrer o caminho rumo à Páscoa, festa da ressurreição e da vida. Caminho cujo apelo é a renovação do coração, da Aliança definitiva de um Deus que é só coração, só misericórdia. Um Deus que, mesmo em um tempo que ainda não podemos abraçar, fortalece o nosso coração com seu abraço amoroso, sorridente, alegre, solidário. Um Pai que faz aliança sempre conosco e se mostra um Deus pleno, compassivo, justo.
Hoje, mais uma vez, Deus vem confirmar a Aliança ignorada e rompida várias vezes. Em sua teimosia paterna, Deus não desiste e vai onde o nosso ser palpita pela vida, o coração, e nele imprime uma Aliança com Ele para sempre. Para concretizar a Aliança é necessário morrer para depois ressuscitar na vida, nas lutas e na história do povo de Deus. João usa a simbologia do grão de trigo para ilustrar esta realidade.
A Primeira Leitura (Jr 31,31-34) é do profeta Jeremias, da tribo de Benjamim. Ele nasceu em torno do ano 650 a.C., em uma cidade do interior por nome Anatot, viveu no campo e não era da cidade. Sua ação profética passa-se em Jerusalém entre 627 a 586 a.C., durante os reinados de Josias, Joaquim, Sedecias e Nabucodonosor. O referido texto, não se sabe com exatidão quando foi escrito, talvez no reinado de Josias ou de Sedecias, entre a primeira e segunda deportação do povo para a Babilônia (597- 856).
Em uma época de muito sofrimento, em uma profunda crise, Jeremias anuncia uma nova etapa da vida, um novo tempo, marcado por uma nova Aliança de Deus como seu povo.
A Primeira Aliança, cujo ápice foi a libertação da escravidão selada no deserto, cujas leis escritas nunca atingiram o coração, não foi quebrada por Deus, mas pelo povo que não aderiu verdadeiramente à aliança. Agora, a Segunda Aliança não será gravada na pedra, como no monte Sinai, mas será escrita no coração. O coração é o lugar sagrado, lugar do acolhimento, onde abriga a essência do ser, permitindo a aproximação entre Deus e a pessoa humana. É renovando a relação com Deus, com um coração transformado, que cada ser humano coloca-se humildemente no caminho da vida.
No final do texto, vemos um Deus que perdoa as faltas de maneira total e sem reservas, demonstrando então, mais uma vez, que seu amor é para sempre. Percebe-se um Deus que é infinito, que é perdão, que esquece o passado infiel e olha para frente.
A Carta aos Hebreus (Hb 5,7-9) na verdade não é uma carta, é uma exortação ou um sermão; não é de Paulo e não foi escrita para os hebreus. Destina-se possivelmente aos cristãos, vindos do judaísmo, que estão passando por situações difíceis, são perseguidos e necessitam ser encorajados. Para que possam prosseguir é necessário manter olhos e coração naquele que é o sumo sacerdote da nova aliança, Jesus Cristo; naquele que aprendeu pelo sofrimento o quanto é difícil ser pessoa humana, Ele que sofreu, chorou e se angustiou diante da morte.
No Evangelho de São João (Jo 12,20-33), o Capitulo 12 inicia com a unção de Betânia (12,1-11); e segue com a entrada de Jesus em Jerusalém, quando é aclamado pela multidão. Chegamos ao centro deste capítulo nos vv. 20-28, onde Jesus vai declarar que é chegada a sua “hora”. Faz-nos reportar ao Evangelho das Bodas de Caná, onde Jesus diz “mulher, minha hora ainda não é chegada”. Um longo caminho foi percorrido por Jesus para chegar a esta afirmação.
O texto é de autoria somente de João o encontro com os gregos que, assim como Pilatos, queriam ver Jesus. Na sequência do texto estes são esquecidos, mas podemos ver aí a conversão de todos os povos e prepara para o V.32, onde o “Filho do homem atrairá todos a si”.
Fazendo menção do “grão”, Jesus proclama que é hora de sua glória, pois “será glorificado como o grão de trigo que cai na terra e morre”. Morrer é condição para viver, e Jesus afirma que é preciso passar pela morte para que a vida renasça. Não existe ressurreição sem morte.
Jesus usa sua grande sabedoria de homem do campo para se fazer entender: fala do grão, de terra, de frutos, sabe que é preciso conhecer o grão, mas para que dê frutos a terra tem que ser boa. Nesta passagem Jesus é o próprio grão, a semente que cai na terra e morre e que produz muitos frutos. Jesus que se doou inteiramente. Não se apegou a nada.
Se agarrar a própria vida é não querer se converter de coração, não querer ser grão que dá fruto; é querer ficar sozinho e se negar a fazer parte da comunidade da nova aliança que Deus nos oferece.
Você teria a coragem de seguir este Jesus que se apresenta hoje não se apegando a “coisas”, mas desapegando-se de tudo, até da própria vida, em favor do irmão e da irmã, assim como fizeram tantas pessoas em nossa América Latina?
Estamos prontos, como grão de trigo, para morrer e produzir frutos?
Como Felipe e Andre estamos dispostos a ir ao encontro de Jesus? Encontramos com Jesus quando aceitamos carregar a sua cruz e assumir o seu projeto.
Estamos em tempo de pandemia. Santa Maria Eugênia nos encoraja a viver como grão que frutifica, “deixando de lado as lamentações, as queixas, mas buscar o que Deus quer que façamos e que possamos olhar a realidade presente com seus sofrimentos e tristezas como um dom Deus”.
Santa Maria Eugênia sentia uma profunda comunhão com Jesus em seu sofrimento, em sua paixão. Dizia “Deus me deu uma grande sensibilidade para sentir o sofrimento… com isto deu-me também, uma grande faculdade para tudo compreender nos outros e poder ajuda-los…(…) medito o Evangelho, a unção e a ternura que encontro nas palavras de Jesus antes e depois da paixão”. Dizia a si mesma: “qual é o amor que não se compromete?” De fato ela foi um grão que deu muitos frutos no seguimento radical de Jesus Cristo. E você, no atual contexto de sua vida e da história, se identifica com Jesus em seus sofrimentos, em seus gritos, em suas orações? Está disposto a servi-lo e segui-lo radicalmente?
Que o apelo de Jesus toque nossos corações: “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto”. É a Aliança com Deus que continua a ser atualizada renovada para sempre não ficando só no “ver”, mas que reporta a ação concreta em favor do irmão e da irmã.