Estamos em pleno Tempo Pascal. Este domingo que estamos celebrando já é o terceiro deste Tempo, que é um tempo de alegria, de vida nova, de um novo recomeço – frutos da Ressurreição de Jesus, que ele partilha conosco, come “amostras” de nossa própria vida de ressuscitados das águas batismais.
No tempo das primeiras comunidades cristãs, o rito litúrgico do Batismo colocava muito em evidência esta passagem para uma vida nova através de atos concretos, cheios de simbolismo. As pessoas que seriam batizadas naquele momento, somente adultos e depois de uma longa preparação, eram mergulhadas de corpo inteiro na água, como se tivessem desaparecido, morrido, e depois levantavam-se cheios de vida, para viverem como filhos e filhas de Deus, lavados pela água batismal, livres de todas as faltas e pecados de sua vida anterior. Este simbolismo tornava-se ainda mais forte pelo fato de que o Batismo era administrado somente nas grandes festas da Páscoa e de Pentecostes.
Nosso Batismo não seguiu este rito, mas seu efeito é o mesmo. Na celebração da Vigília Pascal renovamos nossas promessas de Batismo com uma vela acesa na mão, lembrando a luz da fé que recebemos no Batismo, juntamente com a missão de espalhar esta luz em todos os lugares e situações em que formos vivendo.
Vejamos como tudo isto está presente nos textos da Palavra de Deus neste 3º Domingo da Páscoa que estamos celebrando:
Na Primeira Leitura, tirada do livro dos Atos dos Apóstolos (5,27b-32.40b-41), vemos como os apóstolos e os primeiros discípulos viviam a obediência ao mandato que tinham recebido de Jesus: “Vão pelo mundo inteiro e ensinem a Boa Nova a toda a humanidade” (Mc 16, 15). Os apóstolos pregavam ao povo, passando às pessoas que os ouviam os ensinamentos que tinham recebido de Jesus, e por isso foram perseguidos por aqueles que, a todo custo, tinham querido calar a voz de Jesus… Mas Pedro dá a eles uma resposta que pode nos servir de guia por toda a nossa vida: “É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens” (At 5, 29). Foram açoitados por sua insistência em anunciar a Boa Nova mas, mesmo assim, viveram a alegria de cumprir a vontade do Senhor: “Os apóstolos saíram do Conselho muito contentes por terem merecido sofrer insultos por causa do nome de Jesus” (At 5, 42).
O Salmo ecoa estes mesmos sentimentos: “Transformaste o meu luto em dança, e a minha roupa de luto em roupa de festa. Por isso, o meu ser canta para ti e jamais se calará. Javé, meu Deus, eu te louvarei para sempre”. (Sl 29 (30), 12-13).
A Segunda Leitura, tirada do livro do Apocalipse, (Ap 5,11-14) mostra-nos uma visão do céu, em que “milhões e milhões, milhares e milhares” dos que creem em Jesus proclamam o seu louvor na vitória final da Vida Plena sobre o pecado e a morte. É a Vida que vence, pela Morte e Ressurreição de Jesus.
Mas é no texto do Evangelho de hoje (Jo 21, 1-19) que o fruto da mensagem nos atinge em cheio. O texto começa com uma cena simples. Os apóstolos estão reunidos. Estão ainda um pouco perdidos diante de sua missão, quando Pedro se levanta e diz simplesmente: “Eu vou pescar”. Mostrando o espírito comunitário que existe entre eles, os outros o seguem: “Nós também vamos”. Pescar é o que eles sabiam fazer, desde quando adolescentes, acompanhavam seus pais na tarefa da pesca. Eles sabiam que a noite é o melhor momento para a pesca, e por isso ninguém estranhou partir numa expedição noturna. Só que, apesar de terem tentado a noite inteira, nada conseguiram…
O relato parece simples e objetivo. Mas há um segundo sentido por baixo das palavras… “Noite” nos remete a “escuridão”, “trevas”. Por sua vez, “escuridão e trevas” são também figuras da falta de fé, da atitude de alguém que conta apenas com suas próprias forças. A comunidade estava reunida, mas Jesus não estava com eles… A pesca foi um projeto deles, somente deles, e não deu em nada…
Quando o dia começou a raiar e a luz começou a romper as trevas, eles estavam cansados e decepcionados: tinham passado toda a noite trabalhando, sem nada conseguir… Resolveram voltar.
Ao se dirigirem à terra, viram o vulto de um homem parado na margem… Margens são espaços que dividem, que separam o turbilhão incessante das águas da solidez reconfortante do solo. Margens implicam passagem de uma situação a outra… Quem estava sobre a margem, mas ainda não tinha sido reconhecido devido à dificuldade de haver pouca luz, era Jesus…
Um diálogo acontece então entre o Ressuscitado e os seus discípulos, que ainda não o tinham identificado… À pergunta sobre se tinham alguma coisa para comer, os apóstolos confessam que não conseguiram nada. Jesus lhes diz simplesmente: “Lancem as redes do lado direito e acharão peixe”. O coração amoroso de João reconhece a voz do Mestre, e a impulsividade de Pedro o faz jogar-se na água antes mesmo de o barco chegar à praia…
Jesus come com eles, mostrando-lhes a realidade de sua Ressurreição. Eles não lhe perguntam quem é porque sabem, interiormente sabem, que o Ressuscitado está mais uma vez com eles, e nunca os deixará, pois estará sempre presente em suas vidas.
De uma maneira extremamente pedagógica, Jesus então levará Pedro a admitir sua traição, a se envergonhar e arrepender dela e a pedir perdão. “Simão, filho de João, tu me amas?” Por três vezes Jesus repete esta pergunta, para que Pedro possa, por três vezes também, redimir-se das três negações na noite em que Jesus foi preso. E a cada uma das afirmações de Pedro que ele ama o Senhor, Jesus confirma a missão que lhe tinha dado: “Cuida do meu rebanho”. É o amor a Jesus que dá a Pedro a autoridade para servir a todos os seguidores e seguidoras de Jesus.
O Tempo Pascal, como dizíamos no início desta reflexão, é um tempo de alegria. Santa Maria Eugênia queria muito que vivêssemos esta alegria que brota de nossa fé em Jesus, o Ressuscitado. Foi baseado em vários de seus ensinamentos que o texto de nossa Regra de Vida foi escrito. Nele se lê: “Jesus Cristo prometeu a alegria como fruto de sua vitória sobre a morte. Desde a sua Ressurreição, nossa esperança é invencível. A alegria pertence àqueles que têm a coragem de acolhê-la” (RV, 45).
Irmã Regina Cavalcanti RA
Brasília – DF