“Eu Vos amo, Senhor, minha força, minha fortaleza, meu refúgio e meu libertador…”
A liturgia do 31° Domingo do Tempo Comum diz-nos que o amor está no centro da experiência cristã. O caminho da fé que, dia a dia somos convidados a percorrer, resume-se no amor a Deus e no amor aos irmãos. Duas vertentes que não se excluem, mas se complementam mutuamente.
Que lugar ocupa Deus em nossas vidas e como nos relacionamos com Ele? Como se expressa nosso amor a Ele? Que Deus é esse?
Na primeira leitura (Dt 6, 2-6), Moisés dirige-se ao povo de Israel dizendo: “Temerás o Senhor, teu Deus, todos os dias da tua vida”. A expressão “temer o Senhor”, muito frequente no Antigo Testamento, não significa que devamos ter medo de Deus, mas que tenhamos uma atitude de respeito e reverência a Ele e, consequentemente sejamos obedientes aos seus desígnios. Isto pressupõe uma confiança num Deus que não falha. Manifestamos nossa confiança numa adesão incondicional à sua vontade e a aceitação plena das propostas e dos mandamentos de Deus.
Na perspectiva do autor do texto, nós, criaturas, devemos renunciar à nossa autossuficiência, baseando nossas vidas não apenas em critérios e valores pessoais mas, sim, assumindo os mandamentos do Senhor como sendo o caminho certo e seguro para alcançar da vida em plenitude.
O presente texto nos traz a expressão “Escuta Israel” que muito se repete no Antigo Testamento. Uma forma do autor se dirigir diretamente ao povo judeu e comunicar-lhe uma mensagem importante a ser absorvida. No universo religioso judaico, o verbo “escutar”, além de “ouvir”, significa “acolher” a mensagem no coração e “transformar” em prática o ensinamento que foi transmitido. E isto vale também para nós cristãos, pois nossa fé em Jesus Cristo não é um conjunto de ideias, mas sim a vivência concreta de seus ensinamentos.
O que fala o autor do Deuteronômio à Israel? Ele afirma que Javé é o único Deus a ser seguido. Não podemos nos deixar levar por outros deuses ou idolatrias nem ficarmos apegados a vaidades humanas e efêmeras como orgulho, poder, prestígio ou riqueza material. Devemos, sim, amar o Senhor nosso Deus com todas as nossas forças e o nosso coração, fazendo com que nossa vida espelhe valores perenes como respeito, justiça, fraternidade, humildade. Valores que vão muito além de uma vivência egoísta e centrada apenas em nossos interesses individuais.
Devemos nos atentar à beleza do Salmo 17 que expõe o significado de Deus para o salmista, revelando a fé e confiança num Deus que é nossa fonte de vida, que nos acolhe e que nos liberta.
“Eu vos amo, Senhor, minha força, minha fortaleza e meu libertador. Meu Deus, auxílio em que ponho a minha confiança, meu protetor, minha defesa e meu salvador”.
A segunda leitura (Hb 7, 23-28), nos traz outros aspectos da nossa relação com Deus, apresentando-nos Jesus como sumo sacerdote – santo, inocente, imaculado e elevado acima dos céus. Seu sacerdócio é eterno e sua intercessão é contínua, uma vez que Ele está junto a Deus Pai e, também, é Deus. Ele nos garante salvação eterna e definitiva, pois se ofereceu a Si próprio, de uma vez por todas, em sacrifício perfeito. Esta perspectiva de salvação deve encher nossos corações de esperança!
Jesus é o sacerdote por excelência que o Pai enviou ao mundo para convidar todos os homens a integrarem a comunidade cristã; ele cumpriu a vontade do Pai com total obediência e ofereceu toda sua vida em sacrifício para salvar a humanidade. Assim temos o exemplo de Jesus a ser seguido, pois o que mais agrada a Deus é termos nossos olhos e nossa vida voltados aos nossos irmãos. Amar a Deus é amar os irmãos, tema que se relaciona diretamente com o Evangelho de Marcos que veremos a seguir.
O texto do Evangelho de Marcos (Mc 12,28–34) relata-nos um diálogo no qual um escriba pergunta a Jesus qual seria o primeiro de todos os mandamentos. E Jesus responde-lhe: “Escuta, Israel: amarás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração, com a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças’. O segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo’. Outro mandamento maior do que este não existe”.
Vemos com clareza que Jesus se dirige ao escriba da mesma forma que se expressou o autor do Deuteronômio: “Escuta Israel”. Com estas palavras, Jesus não proferiu apenas um mandamento a ser cumprido, mas, sim, uma verdade de fé a ser acolhida e gravada no coração. Trata-se da essência dos ensinamentos do Pai sendo que ela permeia os demais mandamentos a serem observados.
Vale destacarmos que Jesus estabelece uma relação direta entre os dois enunciados que, não se excluem, mas que, ao contrário, se complementam mutuamente. A maior prova de nosso amor a Deus é o amor que temos por nossos irmãos.
Mas como deve ser este amor a Deus e aos irmãos? Amar com toda nossa alma, força e entendimento significa que nossos valores, atitudes e ações devem ser pautados pela acolhida e disponibilidade em servir e colaborar com todos os irmãos, sem preconceitos e distinções. De acordo com muitos relatos evangélicos vemos que a ênfase de Jesus é em relação ao cotidiano de nossas vidas e não à realização de grandes sacrifícios e de rígidos rituais litúrgicos.
Temos assim um grande desafio no compromisso de seguir Jesus; mas o que deve nos animar é poder contar com a proteção e a força do próprio Jesus Salvador!