ESPLENDOR QUE NÃO SE APAGA
Estamos já quase no final do ano litúrgico. Sim, porque o ano litúrgico não coincide com o calendário civil. Neste, cada ano começa no dia 1º de janeiro, mas o ano litúrgico tem o seu início no 1º domingo do Advento, que normalmente cai no final de novembro. E por que esta diferença? Porque o ano litúrgico tem, como finalidade, nos fazer reviver os grandes mistérios de nossa fé por meio das celebrações e de nosso esforço de ter sempre no coração as palavras de Jesus para fazê-las passar em nossa vida. Por isso, o ano litúrgico começa com a preparação para celebrar o nascimento de Jesus.
É por esta razão que podemos dizer que estamos quase no final do ano litúrgico… E, neste mês de outubro, o tema que perpassa nossa oração é a Missão: missão da Igreja e missão de cada um de nós, chamados e enviados por Deus para sermos anunciadores de seu Reino no ambiente em que vivemos.
E que nos dizem os textos deste domingo? Em grandes linhas, eles nos pedem que sejamos testemunhas, pela nossa vida, de uma fé que transparece em nossas ações, em nossas opções, em nossa maneira de viver. Somos todos chamados a ser missionários, isto é, somos todos enviados a proclamar nossa fé através da coerência de nossa vida. Sabemos que o exemplo fala mais alto do que as palavras… Há muitas pessoas que provocam admiração pela inteireza, pela veracidade, pela coerência que demonstram entre sua fé e suas ações. Nestas pessoas, fé e vida não estão separadas, mas intimamente unidas. Acredito que você, que está lendo este texto, conhece algumas pessoas assim. É assim que Deus quer que sejamos; e é assim que tentamos ser.
Mas vejamos o que nos dizem os textos deste domingo. A Primeira Leitura é um trecho bem curto do Livro da Sabedoria (Sb 7, 7-11). Curto, mas denso. Este livro faz parte de um conjunto de escritos do Antigo Testamento conhecidos como “livros sapienciais”. Mas, cuidado: as expressões “Livro da Sabedoria”, “livros sapienciais” podem nos levar a uma compreensão errada de seu sentido. Estamos habituados a ligar estes conceitos a algo que se adquire por um estudo aprofundado. Não é este, porém, o seu sentido bíblico. A introdução aos livros sapienciais na Bíblia Pastoral diz o seguinte: “Em Israel, a sabedoria não é a cultura conseguida graças à acumulação de conhecimentos, mas o bom senso e o discernimento das situações, adquiridos através da meditação e reflexão sobre a experiência concreta da vida. Trata-se de algo que se aprende na prática e que leva à arte de viver bem”.
O texto nos mostra que esta sabedoria é algo que se deve pedir a Deus: “Orei, e foi-me dada a prudência; supliquei e veio a mim o espírito de sabedoria”. Ela vale mais do que a riqueza, do que todo o ouro do mundo, até mais do que a saúde e a beleza… O seu esplendor é uma luz que não se apaga.
Este mesmo tema volta no Salmo, no qual se pede com insistência: “dai ao nosso coração sabedoria”. É esta sabedoria do coração que nos leva a compreender e a aceitar as voltas que a vida nos faz dar. Tendo esta sabedoria, verdadeiro dom do amor que Deus tem por nós, teremos alegria, até mesmo diante da dor: “Saciai-nos de manhã com vosso amor e exultaremos de alegria todo o dia! Alegrai-nos pelos dias em que sofremos, pelos anos que passamos na desgraça!” Por meio desta sabedoria, tornamo-nos capazes de entender que o sofrimento pode ter um sentido positivo em nossa vida e que a maneira pela qual o vivenciamos pode nos levar a entrar amais profundamente no projeto de Deus.
A Segunda Leitura, da Carta aos Hebreus, (Hb 4,12-13) é ainda mais curta de que a Primeira. Ela nos fala da força da Palavra de Deus, “que é viva, eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes”. A Palavra de Deus tem força para penetrar profundamente em nosso ser, em nossa vida, e nos transformar. Deus nos faz o dom de sua Palavra, que age em nós se a ela nós abrirmos o coração. Isto é um pedido que devemos fazer… Deus quer que sejamos pessoas que crescem na fé e no amor, pessoas que vivem e transmitem esperança. Abramos as portas de nosso coração para que a Palavra de Deus possa agir em nós, nos transformando e fazendo com que sejamos as pessoas que Deus quer que sejamos.
O Evangelho (Mc 10, 17-30) nos conta um fato que aconteceu na vida de Jesus, mas que pode estar acontecendo de novo em nossos dias. Este fato pode, inclusive, estar acontecendo em nossas próprias vidas… Jesus está caminhando pelas estradas, indo de um vilarejo para outro, anunciando o Reino de Deus. Seus discípulos estão com ele. De repente, chega um homem correndo… Ele quer falar com Jesus. Tem uma pergunta importante para fazer. E a pergunta é: “Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?”
Vamos interromper aqui a leitura do Evangelho de hoje e olhar para dentro de nós mesmos… Quem de nós não gostaria de poder chegar perto de Jesus e fazer esta mesma pergunta?…
Voltemos ao texto. Jesus indica ao homem a observância dos mandamentos. E o homem responde: “Mestre, tudo isto tenho observado desde a minha juventude”. Creio que nós também responderíamos com as mesmas palavras. De fato, não matamos ninguém, não cometemos adultério, não roubamos, não levantamos falso testemunho, não prejudicamos ninguém, respeitamos nossos pais…
Ao ouvir esta resposta, Jesus olhou para ele – e o texto diz “olhou para ele com amor” – e disse: “Uma só coisa te falta…” Se fôssemos nós, e não o homem do texto evangélico, conversando com Jesus, qual seria esta “coisa que nos falta”? Para cada um de nós, a resposta de Jesus seria diferente, pois somos pessoas diferentes, e nossas vidas são diferentes. Mas acredito que o que nos falta seria nos tornarmos, real e intensamente, seguidores de Jesus… Para o homem do evangelho, era vender seus bens e se colocar, como os Doze, no seguimento de Jesus pelas estradas da Galileia, anunciando o Reino de Deus. Para nós, evidentemente, esta “coisa que nos falta” seria outra… O homem do evangelho não teve coragem de fazer o que Jesus lhe pedia. Teremos nós esta coragem?…
Mesmo que seja difícil, a graça de Deus pode nos dar a força de que necessitamos para realizar “aquilo que nos falta”. E lembremo-nos de que Jesus mesmo disse: “Para Deus, nada é impossível”. Apoiando-nos nesta palavra, façamos nossa a Oração deste domingo: “Nós vos pedimos, Senhor, que a vossa graça nos preceda e acompanhe e nos torne atentos para perseverar na prática do bem”. Assim seremos missionários do Reino, anunciando por nossa vida a ação da graça. Estaremos vivendo a Sabedoria no seu sentido bíblico, este “esplendor que não se apaga”.