A VIDA NÃO DEPENDE DA ABUNDÂNCIA DOS BENS

A liturgia deste domingo tem como tema central o apego da humanidade aos bens materiais e as consequências dessa atitude. Todas as leituras abordam este tema trazendo-nos diferentes aspectos para nossa reflexão.

A primeira leitura pertence ao Livro do Eclesiastes (1,2; 2,21-23), cujo autor é desconhecido. A título de ilustração, o Eclesiastes é similar a um “caderno de anotações” de um sábio que tem como objetivo questionar os dogmas mais tradicionais de Israel. Sua preocupação fundamental parece ser a de destruir certezas e seguranças, mais do que apontar caminhos. O tom geral do livro é de um impressionante pessimismo, sendo inclusive estranho e enigmático. Revela-nos uma visão bastante sombria e pessimista da vida humana; focaliza a falta de sentido e de horizontes da vida;  não termos, por nós mesmos, a capacidade de acessar a verdadeira sabedoria; e ainda indica que o nosso esforço é vão e inútil e que a morte está sempre a nos rondar.

“Pois aquele que trabalha com sabedoria, competência e diligência, deverá entregar a sua parte a outro que em nada colaborou… e isso, pelo visto, é vaidade e um grande mal. De fato, que aproveita ao ser humano todo o seu trabalho e a aflição do coração com a qual labutou debaixo do sol? Todos os seus dias são dores e sua ocupação, sofrimentos. Nem de noite repousa o seu coração e também isso é vaidade”.

Os versículos acima expressam um dos dogmas compartilhados pelos sábios de Israel quanto à importância e o valor do homem trabalhar arduamente e cumprir suas tarefas; os que assim não procedessem seriam totalmente desconsiderados e execrados nessa época e sociedade. Mas o autor aponta justamente a limitação da condição humana pois naturalmente a vida é cheia de obstáculos, dificuldades; e mesmo que nos esforcemos não estaremos satisfeitos, realizados e felizes. O fato de trabalharmos bastante e provermos nossas famílias de boas condições materiais não é garantia de plena realização.

Ao longo de todo o livro a expressão “Tudo é vaidade” se repete. O sentido de “vaidade” neste contexto diz respeito ao caráter vão, vazio, fútil e ilusório. Através desta afirmação o autor evidencia o caráter limitado e vazio da vida humana baseada apenas nos bens terrestres e materiais que, na verdade, revelam-se frágeis e passageiros. Isto pressupõe a necessidade de nos atermos a uma esfera transcendente que amplie nossos horizontes e nos dê um sentido mais pleno a nossas vidas.

Os demais textos da liturgia de hoje vão justamente responder à questão levantada pelo livro do Eclesiastes que se resume no sentido e valor que atribuímos a nossa vida.

Na carta aos Colossenses (3,1-5.9-11), São Paulo nos fala que, como cristãos, fomos identificados com Cristo através do Batismo. O que isto significa? Quer dizer que aderimos ao Cristo Ressuscitado, morrendo para o pecado e aspirando a uma nova vida, pautada e inspirada por valores espirituais – não terrenos. Devemos renunciar aos mecanismos que geram egoísmo, ambição, injustiça, orgulho, violência, que configuram o Homem Velho, na própria expressão de São Paulo. E assim, devemos ter em mente a nossa transformação no Homem Novo que supõe altruísmo, humildade, respeito ao próximo, enfim, a prática do verdadeiro amor através de uma vida de entrega, serviço, doação, como Jesus fez e ensinou à humanidade na sua passagem aqui na terra.

Vale ressaltar que tal transformação deve ser nossa meta de vida: exige atenção e esforço constante uma vez que ela significa renovação à imagem do nosso Criador. Aqui cabe uma reflexão: temos isto presente em nossas vidas e espelhamos através de nossas atitudes e ações a imagem do Criador?

Paulo enfatiza que construindo nossa caminhada inspirados por Deus certamente  estaremos com Ele na vida eterna .”Quando Cristo, que é a vossa vida, se manifestar,
também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória”.

No Evangelho de Lucas (12,13-210, Jesus continua ensinando os discípulos a fim de que eles se transformem em testemunhas do Reino. O relato de Jesus diz respeito a um homem que cobra de seu irmão mais velho a partilha de seus bens, pedindo, inclusive, que Jesus julgue e decida a contenda entre eles. Além de Jesus não aceitar o papel de juiz na situação, conta uma parábola sobre um homem rico que acumulou muitos bens durante sua vida e achava que assim poderia ficar em paz. Mas é interpelado por Deus que lhe anuncia sua morte eminente e o chama de insensato por ter se ocupado somente em acumular riquezas.

O fundamental neste relato é a questão da cobiça e o apego aos bens materiais; apresenta-nos um homem previdente e trabalhador, mas que de forma obsessiva  apega-se à riqueza acumulada e acha que ela seja a garantia de sua paz e felicidade. Ele representa todos aqueles que vivem uma relação de “circuito fechado” com os bens materiais, não havendo espaço para outros aspectos como a vida em família, a relação com a comunidade e sobretudo o contato com Deus.

Importante aqui ressaltar que a cobiça constitui uma experiência de egoísmo, de fechamento, de desumanização, que centra o homem em si próprio e o impede de estar disponível para a vivência de valores verdadeiramente importantes: os valores do Reino de Deus. Quando o coração está cheio de cobiça e egoísmo, o homem torna-se insensível ao outro, gerando desrespeito, escravidão, violência. Para conseguir o que se quer não se avalia o mal que se causa aos outros. Aí surgem na sociedade os mecanismos de exploração humana, injustiças sociais e marginalização de seres humanos.

É esta a reflexão que devemos fazer tanto a nível pessoal como da sociedade na qual nos inserimos:

como nos relacionamos com a riqueza e os bens materiais?

Os bens são o eixo central de nossas vidas? Ou temos espaço para cultivar outros valores e desenvolvermos nossa vida social e melhorarmos nossas relações familiares e de amizade?

Nossos corações são tocados pelas injustiças existentes em nossa sociedade?

E por fim, temos espaço e nos abrimos ao contato diário com Deus a fim de podermos clarear o sentido de nossa existência?

A reflexo de hoje pode no ajudar a repensar nosso conceito de riqueza acumulada e nossa relação com as coisas.  A cobiça dos bens, isto é, o desejo insaciável de ter pode nos levar à idolatria; essa compreensão da vida não conduz à vida plena, não responde às aspirações mais profundas do ser humano e nem promove o amadurecimento integral da pessoa.

Nossa vocação é ser rico das bênçãos de Deus, os dons e talentos que recebemos por graça devem estar disponíveis aos irmãos. 

Sandra Yazaki – Leiga Assunção Juntos São Paulo

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